Capítulo 11

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Cher Antoine

Je suis vraiment désolé

Mais je n'peux pas

Partir avec toi

Covarde.

Adjetivo. Que ou quem recua ante o perigo ou o medo. Na gíria carioca, Rodrigo.

Aquele músico safado não teve coragem de me ligar dessa vez, deixou apenas um áudio cheio de hesitação pra mim. A raiva vinha em ondas pelo meu corpo, intercalada com uma tristeza paralisadora que eu posso definir, entre tantos níveis de decepção e vergonha, como "eu não fui escolhida", entre eu e a banda, eu estava em segundo lugar. Eu afastava o pensamento e ele voltava invadindo não só minha mente, mas meu corpo, que eu sentia fisicamente encolher. Meu um metro e 64 de altura parecia encolher para um tamanho ainda mais insignificante, eu era um pequeno souvenir de viagem, esquecido entre as prateleiras de uma casa entulhada de objetos, perdida e jamais lembrada - onde mesmo que eu comprei isso? foi naquela viagem horrível pra Taboão da Serra, não foi? Nossa... hahaha cada furada que eu já me meti -, fadada ao lixo ou a um bazar na primeira faxina, talvez vendida por 50 centavos apenas para dizer que ainda tinha algum valor. Ou talvez doada para uma tia que adora bugigangas, ou pior ainda, dada como presente de última hora para um colega de trabalho num amigo oculto do qual ninguém realmente queria participar.

Tive forças para levantar do sofá e pegar as sacolas de compras, queria ir embora dali de uma vez, agora com a certeza de que não veria mais o apartamento de Rodrigo. No meio do caminho para a porta, lembrei das janelas abertas, soltei um suspiro impaciente e dei meia-volta. Fechei a janela da sala, a grande janela disputada por todos na hora de fumar um cigarro ou apenas para ter um momento de reflexão quando todos falavam ao mesmo tempo. Eu já tinha me debruçado sobre ela algumas vezes, enquanto os garotos discutiam uma música nova e eu não tinha com o que contribuir era para lá que eu ia. Conhecia bem a vista a essa altura, as lojas no outro lado da rua, o vizinho que sempre estava sentado em frente à TV dois andares abaixo no prédio em frente, o morador que levava o cachorro para passear depois do trabalho e o ponto de táxi com motoristas mal educados. Fechei as duas folhas da janela, girei o trinco e conferi se estava mesmo fechada. Depois fui até o quarto de Rodrigo mais uma vez e andei decidida até a janela, não queria ver nada que me fizesse ter mais flashbacks de momentos bons. Também aquela janela me enchia de lembranças, tantas vezes ela emoldurou Rodrigo com a cabeça para fora, fumando e pensando na vida, ou com os cotovelos apoiados nela enquanto conversava comigo.

Chega!

Tranquei a janela de madeira e dei meia volta rapidamente. Meu olhar foi atraído por um caderno surrado em cima da cama. Eu conhecia aquele objeto, é claro. Um dos cadernos que ele usava para anotar ideias. Músicas, poesias, letras, pensamentos. Rodrigo já havia me mostrado o que tinha lá, então não me senti culpada por abri-lo. Em sua letra de forma, fragmentos de quem ele era, coisas que eu ainda estava descobrindo, mas que escapavam de suas mãos para o papel, um tipo de diário que nem sempre veria a luz do dia. Confesso que procurei por mim ali, nunca conversamos sobre para quem ou sobre o que eram suas músicas, acho que eu tinha medo de ouvir a resposta. Mesmo quando eu tinha certeza que era de mim que ele falava, nem assim eu tinha realmente certeza. Folheei o caderno lentamente até chegar em uma página em branco, num impulso arranquei a folha e procurei uma caneta.

Nunca antes tinha escrito uma carta, o e-mail mais longo que escrevi tinha cinco linhas, mas aquela era a forma certa de me despedir.

___

Olhei pela pequena janela branca e quadrada do avião. Nova York se estendia brilhante abaixo de mim, uma cidade estranha e completamente diferente do Rio de Janeiro. Era linda. Meu coração acelerou com a expectativa de sair pelas portas da aeronave e me deparar com o desconhecido. Quando o avião tocou o chão depois de um voo tranquilo, em termos aeronáuticos pelo menos, porque para mim foi um turbilhão de sentimentos, os outros passageiros começaram a se aglomerar no corredor, ansiosos para respirar ar puro e esticar as pernas. Eu me mantive sentada na poltrona como se estivesse colada nela, uma vez que eu me mexesse não tinha jeito, eu teria que começar a viver a próxima fase da minha vida, mas enquanto estivesse imóvel poderia fingir que estava no ônibus que ia para a faculdade, com o motorista que me conhecia e esperava por mim quando me atrasava. Essa ilusão me dava certo conforto, o suficiente para acalmar as batidas do coração e reunir coragem para levantar.

O momento de covardia me fez perder uns 10 minutos pois a fila dos que tinham pressa era infinita e eu não conseguia pegar a mala de mão no bagageiro acima da minha cabeça. Finalmente uma alma caridosa me deu passagem e eu me atrapalhei para pegar a mala enquanto minha mochila escorregava dos meus ombros e os outros faziam carrancas pela demora. No desembarque não tinha ninguém esperando por mim como nos filmes, nenhuma placa com meu nome ou gritos de alegria pela minha chegada, o que fazia sentido, já que não conhecia ninguém ali. A Castro & Stevenson Arquitetura era generosa com seu programa de intercâmbio, mas precisava melhorar a hospitalidade, como foi a empresa que escolheu meu voo e ele chegaria à noite, fui avisada que não haveria ninguém para me receber, mas que eles pagariam meu uber até o alojamento que seria minha casa pelos próximos meses - por um momento pensei em pegar um táxi e viver o momento "andando de táxi amarelo em Nova York", mas reconsiderei -, então entrei no carro de um desconhecido na maior cidade do mundo*.

O quarto que eu teria na casa dividida com mais quatro pessoas era limpo e simples, as paredes eram brancas e a cama de solteiro confortável. Deixei as malas de lado e corri para a janela, para meu desapontamento, não tinha uma vista da cidade, mas podia ver muito bem a parede do prédio vizinho. Fui até a pequena sala mobiliada apenas com um sofá e um móvel enfeitado com uma TV um pouco ultrapassada, pelo menos ali eu podia ver a rua pouco iluminada. O som incessante de sirenes preenchia o ar, às vezes longe, às vezes perto, mas sempre presente. Respirei fundo e parei alguns minutos para observar a vista, com a cabeça apoiada nos braços dobrados na janela. Nunca imaginei que poderia estar ali, tão longe de casa e de tudo que eu conhecia e mesmo assim me sentia mais no controle da minha vida do que nunca. Eu finalmente estava no caminho certo, que me levaria ao futuro que imaginei, cheio de grandes projetos e ambições. Acompanhei um morador de rua arrastando um carrinho de supermercado de uma ponta da rua até ele virar na outra esquina depois fechei a janela e voltei para meu novo quarto. Queria tirar as roupas das malas e começar a deixar o quarto com minha cara, espalhar meus cremes e maquiagens pela mesa de cabeceira, pendurar peças de roupa em todas as superfícies possíveis, pendurar as fotos que levei comigo do Brasil. Minha família reunida no meu último aniversário, todas levemente bêbadas, no fundo a churrasqueira que eu deixei de lado apenas para posar para as fotos, uma foto de vó Juju sorrindo para mim, Jéssica e eu fantasiadas no carnaval daquele ano, uma sereia e uma nota de três reais - fica para sua imaginação adivinhar quem era quem.

Em vez de fazer isso, deitei na cama com a luz do pequeno abajur do lado da cama acesa. Lentamente deixei um cansaço extremo que ameaçou o dia inteiro tomar conta de mim, fazendo meu corpo pesar sobre o colchão, e junto com ele veio Rodrigo. Durante todo o tempo de viagem um pensamento cintilou como um neon com defeito na minha cabeça: a cada minuto eu fico mais longe dele. E toda vez eu afastava o inseto pegajoso que era aquele pensamento, mas ele sempre voltava e eu tentava espantá-lo com um aceno imaginário da mão. Mesmo que as coisas não fossem como eram nós dois estávamos fadados ao fim, se eu já surtei com um mês de distância antes, agora nossa situação seria insustentável e, sendo uma pessoa adulta, eu sabia que merecíamos mais, tanto um do outro como das circunstâncias. Ele precisava de alguém paciente, que pudesse esperar e estivesse presente, eu precisava de foco e disciplina para me concentrar no trabalho, e nós dois precisávamos de espaço para crescer.

Assim, naquela primeira noite não dormi, mas tomei uma decisão: não esperaria mais por ninguém.

___

*Eu não resisti a essa pequena menção a Hamilton.

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⏰ Son güncelleme: Sep 13, 2020 ⏰

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