Capítulo 8

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"Como pode alguém sonhar
O que é impossível saber?
Não te dizer o que eu penso
Já é pensar em dizer"

Eu achei que seria fácil evitar Rodrigo. Pensei na sua resistência em usar redes sociais e em como foi mentalmente exaustivo, no começo do relacionamento, me acostumar com a ideia de que não conversaríamos sempre, que não poderia mandar vídeos que ele acharia engraçado e conversar apenas com figurinhas e emojis.
No final das contas a tecnofobia não importou muito porque nós não ficamos separados tempo suficiente para que isso fizesse falta, pelo contrário, eu é que tinha aprendido a usar menos o celular, esquecendo um pouco da vida online, já que a vida real estava bem mais interessante, e nos poucos momentos em que encontrei tempo para checar o Instagram ou o Twitter, pude mostrar os memes para Rodrigo em primeira mão, só precisava esticar a mão e dizer "olha isso".

Eu também havia tirado algumas fotos nossas, e até postado em um story, há muito apagado depois das 24h que deveria durar. Aconteceu quando  estávamos relativamente bêbados, e ainda agora eu achava que era uma foto perfeita, terna e íntima, minha cabeça repousava no peito nu de Rodrigo, meus cabelos despenteados se espalhavam pelos ombros dele e pelo travesseiro e eu ria. Porque ele me fazia feliz e também porque ele me dizia que eu estava linda e ele parecia um artista falido que desistiu de tudo. Observei mais atentamente a foto. Podia ver exatamente onde, daqui a uns anos, Rodrigo teria rugas nos cantos dos olhos, pois seu riso se estendia por todo o rosto, alcançando seu olhar, que era brilhante nas íris escuras, sua mão esquerda estava borrada, pois como sempre ele gesticulava enquanto falava. Sua mão direita repousava na pele sobre as minhas costelas, embaixo do peito, coberto apenas por um top. Tudo naquela foto me doía, a intimidade que emanava dela, a lembrança do toque de Amarante no meu corpo, o aconchego de estar em seus braços, o som do seu riso, a saudade de cada um daqueles dias...

Coloquei o telefone de lado com um suspiro e me virei de bruços na cama. Na realidade, o que aconteceu foi que ele mandou muitas mensagens. A primeira na manhã seguinte, perguntando se eu estava bem. Como não respondi, algumas horas depois ele perguntou se eu iria para o apartamento dele mais tarde. Eu estava assistindo a última novela da noite com vó Juju quando o telefone vibrou com uma chamada de Rodrigo. Com certa surpresa, ignorei a ligação e me concentrei em entender os conflitos da heroína da novela que não acompanhava, qualquer coisa para manter a mente ocupada e não me sentir morrendo por dentro.

— Não vai atender? – Vó Juju tirou os olhos do crochê que fazia por um instante para me olhar. Era assim que ela assistia a novela, sempre com algo nas mãos, sempre ativa, às vezes linha e agulha de um bordado, ou apenas remendando ou ajustando alguma roupa dela, minha ou de uma das outras filhas e netas. Desde que se tornou viúva, vó Juju vivia apenas comigo, mas nossa família era grande, ela tinha quatro filhas e oito netas, todas mulheres. Eram uma família matriarcal não só pela coincidência no nascimento das crias, mas também porque nenhuma delas tinha marido – a tia Nilce tinha uma esposa e o casamento ia muito bem, mas de maneira geral nunca tiveram muito sucesso em manter relacionamentos com homens. Acho que não vou ser a exceção aqui, pensava quando o telefone acendeu mais uma vez com uma ligação de Rodrigo.

Agora, deitada na minha cama, pensava que tinha tomado uma decisão impulsiva, talvez até infantil, deixando-o sem dizer nada. Porém a alternativa era ficar e ser testemunha do que o tempo faria com a gente, e isso doeria mais. Será que ele já estava confinado no sítio? Tinha chegado bem? Será que beberia demais e comeria de menos? Será que a banda teria sucesso em fazer músicas novas? Esperava que isso pelo menos servisse pra que eles ficassem famosos, já que a decisão deles involuntariamente tinha acabado com o que poderia ter sido o meu último romance, pensei amargamente.

Do Nosso Amor a Gente É Quem SabeWhere stories live. Discover now