Capítulo 3

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"Quando eu te vi eu perguntei: Tudo certinho?"


Eu estava deitada em algum lugar, pelo menos isso eu podia dizer com certeza. Sentia um tecido grudento, podia ser couro, nas costas. Ok, mas que sofá era aquele? Não era na minha casa, minha vó tinha horror a couro, dizia que as visitas não se sentiam à vontade para sentar e jogar conversa fora. De algum lugar vinha o som ensurdecedor de uma bateria e guitarras. Claro, eu estava no show. Agora tudo voltava a fazer sentido. Tomei coragem para abrir os olhos, esperando que o mundo tivesse parado de girar. O que vi foi um teto preto, literalmente. O cômodo em que eu estava era meio escuro, as paredes estavam rabiscadas do teto ao chão e a iluminação vinha de uma lâmpada pendurada no teto por um fio longo. A janela estava pregada com madeira.

- Ah, ela acordou - disse alguém com a voz aliviada. Ele se aproximou e entrou no meu campo de visão. - Oi. Você tá bêbada, drogada ou passando mal?

- Não são coisas necessariamente excludentes. - respondi tentando me levantar. Não, o mundo não tinha parado de girar. Segurei a cabeça entre as mãos, com medo de que ela resolvesse dar um giro de 360 graus.

- Nisso você tem razão... Mas se tivesse que escolher uma opção, qual seria? - ele me ofereceu um copo de água.

- Nem eu mesma sei, mas apostaria em - levei um segundo para decidir - bêbada.

- Bom, dos males, o menor.

Ia concordar com um aceno, mas desisti. Perguntei se ele tinha visto alguém procurando por mim, ele disse que não.

- Pode procurar minha amiga, por favor? O nome dela é Jéssica. - descrevi sua aparência e expliquei que não me sentia bem o suficiente para voltar para o lado de fora ainda. Ele concordou e quase na porta pareceu se lembrar de uma coisa.

- O paramédico da casa vem te ver já já, não sai daqui antes de ser examinada, hein. É responsabilidade da gente. Ah, e o guitarrista quer saber se você tá bem, disse que vai te procurar depois do show.

O desconhecido que me ajudou, e que devia ser algum tipo de gerente ou produtor, bateu a porta ao sair. Que grande espetáculo deve ter sido meu desmaio se até os caras da banda tinham se interessado em saber meu estado. Deitei de novo no sofá arrependida de ter ido naquele show besta, eu podia morrer que a Jéssica não ia saber, ou estava brigando ou beijando o tal Artur, enquanto eu fiquei na mão de desconhecidos. Bebi dois copos da garrafa de água que encontrei na sala que devia servir de backstage. Notei algumas capas de instrumentos jogadas num canto. De repente o som penetrou o lugar mais nitidamente, alguém abria a porta.

- Olá, eu sou o dr. Diego. Como você está? - disse sentando ao meu lado com movimentos ágeis. - Usou drogas hoje? Álcool? Maconha? Cocaína? LSD? Cheirinho?

- Não, eu...

- Vou medir sua pressão, ok?

Dr. Diego retirou um aparelho moderno de uma maletinha e sem esperar resposta envolveu meu braço com ele. - Está baixa - sentenciou, já guardando o kit e pegando uma lanterna. Ouvi o clique antes da luz me cegar, o show tinha acabado. Verificou meu olhos e ouviu meu coração com um estetoscópio. Pra ser sincera, era um exame mais meticuloso do que o que fiz quando consegui meu primeiro emprego como recepcionista de um escritório.

- Foi uma queda de pressão, provavelmente por causa do calor e do álcool. Come alguma coisa e descansa aqui mais um pouco - disse sem me olhar nem uma vez nos olhos.

Agradeci a ele quando a porta se abriu mais uma vez. Agora era a banda que entrava, os quatro conversavam rindo e falando alto sobre o show, guardavam tudo que tinham trazido do palco, enrolavam fios e organizavam pedais. O médico se levantou e, sem despedidas, desapareceu pela porta. Só quando ele a bateu ao fechar é que eles perceberam que eu estava ali. Parece que eu tinha ganhado uma entrada grátis pro meet and greet.

O mais magro de todos, acho que era o vocalista, se virou para mim.

- Você foi a garota que desmaiou, né? - ele botou a guitarra já protegida pela capa no chão e sentou na mesinha na minha frente. - A gente ficou preocupado. Tá melhor?

Eu não sabia onde enfiar a cara, devia estar toda desarrumada, sentia um dos coques frouxo no lado da cabeça, não queria nem tentar imaginar o que eles viam. Nenhum deles riu, mas eu tinha certeza que mais tarde, quando estivesse longe o suficiente, seria motivo de piadas.

- Tô ótima. Foi o calor que me fez mal. - sorri, tentando tirar a impressão de pobre coitada que devia estar passando. Escutei um riso baixo. Eu e o vocalista olhamos pra origem do som debochado. De costas, ajeitando cuidadosamente um fio dobrado na case, o guitarrista balançava a cabeça ouvindo minha desculpa furada. Depois daquele dia maluco, o movimento discreto me irritou mais que tudo, até parece que eu era a primeira pessoa a ter uma queda de pressão num dia quente, e, se ela estava baixa, subiu rapidinho naquela hora porque sentia o sangue latejando na orelha quando falei.

- O que é tão engraçado? - minha voz saiu mais alta do que eu esperava.

- Nada. - ele nem se virou.

- Eu achei que vocês estavam preocupados, mas pelo visto só queriam ver de perto a palhaça que roubou a cena no show de vocês, né?

A raiva me deu forças, levantei pronta para sair dali e encontrar a Jessica eu mesma para ir para casa. O engraçadinho tinha tirado um cigarro do bolso, acendendo ele, se virou para encostar na parede perto da porta, só então eu consegui ver seu rosto. Era o cara que me deu as cervejas naquela manhã na praia! Eu não sabia onde enfiar a cara, era ele mesmo, de barba, cabelo bagunçado, sorriso lindo e tudo.

- Tá indo embora? - soltou as palavras junto com a fumaça.

Depois de uma pausa longa demais encontrei o que dizer.

- Eu preciso encontrar minha amiga. A gente tem que ir embora.

Ele apenas acenou com a cabeça que tinha me ouvido, não deu sinais de que me reconhecera, talvez ele tivesse uma memória ruim. Retomando a conversa como se nada tivesse acontecido, o vocalista se apresentou.

- Eu sou o Marcelo. Aquele é o Barba - o que estava mais afastado acenou uma baqueta pra mim -, o outro ali é o Bruno - o tecladista, pelo jeito, parecia ser meio tímido, deu um tchauzinho - e esse doido aqui é o Rodrigo - apontou para o homem que tinha sido meu herói por algumas horas e que agora me olhava com ar divertido e uma sobrancelha levantada.

- Meu nome é Luísa - Falei, sem tirar os olhos de Rodrigo.

- A gente não estava te sacaneando, não. O primeiro a perguntar de você foi ele. - Marcelo apontou para Rodrigo.

- Desculpa, eu fui grossa.

- Não precisa de se desculpar. - O que eles chamavam de Barba entrou na conversa. - Às vezes a gente também não aguenta o Amarante. O Rodrigo. - ele esclareceu depois de ver minha cara de perdida.

- Eu gostei do show. Pelo menos do pouco que vi - admiti, querendo amenizar os efeitos da minha explosão.

Barba sorriu, não sabia se tinha apreciado o elogio ou estava achando graça. - Você desmaiou na hora certa, depois dali foi ladeira abaixo.

Eles pareciam ser gente boa, até mesmo Rodrigo, julgando pelo episódio da praia, mas eu estava com fome e preocupada com a Jessica.

- Duvido muito. Prometo que vou no próximo e assisto inteiro. Obrigada pela preocupação. - sorri - Tenho que ir.

- Ei - parei com a mão na maçaneta quando Marcelo chamou - Nós vamos parar num bar depois daqui, quer ir? Chama a sua amiga também.

Do Nosso Amor a Gente É Quem SabeWhere stories live. Discover now