Capítulo 7

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"Fixed me up straight...

She sees through the night

A hit and run

No one in sight"



- Então vocês vão passar um mês lá? - Minha voz ficou mais aguda sem querer - Direto?

Amarante acariciou meu cabelo bagunçado e suspirou. - Sim, a princípio... Depende muito de como vamos evoluir com as músicas.

Eu acenei com a cabeça e me aconcheguei mais em seu corpo. Como sempre, estávamos deitados na cama de ferro antiga no quarto de Amarante. Sentia a pele do seu peito tocar minhas costas, nossas pernas entrelaçadas e seu abraço me envolvendo, enquanto conversávamos. Eu estava impressionada e feliz por ele, por todos eles, parecia que o momento da banda tinha chegado e por isso eu me alegrava.

- Se esse cara conseguir mesmo que a gravadora preste atenção na gente, precisamos de músicas melhores - ele se justificou. - Pode ser a nossa chance.

- Você tem razão.

- Isa! - Ele soou ofendido e divertido quando soltou sua mão da minha e fez cócegas na minha cintura.

- Não sobre precisar de músicas melhores - eu acrescentei rindo -, mas sobre ser a chance de vocês.

- Acho que você teve um ato falho e finalmente revelou que não é fã da banda. - ele falou sério, mas eu sabia que era brincadeira. Eu já o conhecia o suficiente para saber que era mais fácil ele falar sério entre risadas do que quando fechava a cara, Amarante tinha um jeito desconcertante que confundia qualquer desavisado que entrasse em uma conversa com ele. - Isso explica porque você desmaiou só de ver o Barba tocando e por que desde então você foge de todos os shows.

- Que mentira! - Indignada, me virei para encarar o rosto que se tornou tão familiar para mim. - Não tenho culpa se sou uma mulher ocupada, sem tempo pra me tornar groupie.

Ele gargalhou. - Ninguém mais fala "groupie". Quantos anos você tem, sessenta? - E, sem esperar resposta, me beijou. Retribuí com gosto até... - Ai! Você me mordeu!

- Retribuição por você rir de mim. - respondi e o abracei, me encaixando entre seu pescoço e seu ombro até me embriagar com seu cheiro. Tudo em Amarante parecia feito para aguçar meu desejo por ele, ou seria o contrário, eu o desejava tanto que cada parte sua se tornou mais atrativa para mim? Em um dos poucos momentos longe dele, enquanto reassistia Crepúsculo, um dos meus filmes preferidos quando era adolescente, senti certa simpatia pela Bella, quando ela ouve o Edward dizer que tudo nele foi feito para atrair a presa e a coitada caiu direitinho. Apesar de ser possivelmente a personagem mais insossa já criada, eu agora me via como ela, refém da voz calma e ponderada de Amarante, hipnotizada por seus gestos, inebriada pelo cheiro da pele dele, o toque dele. Como agora, quando ouvia a vibração leve do corpo dele causada por sua voz, passando pela clavícula e seu peito, o ribombar de seu coração em meu ouvido colado na pele dele.

- Um mês isolados vai ser o suficiente pra sair alguma coisa boa. Mas quando a gente voltar eu queria que você fosse em um show. - Apesar da brincadeira antes, isso era importante para ele. Houve alguns shows desde o fatídico em que nos conhecemos de forma vergonhosa, mas em um deles não fui porque tinha provas e precisava estudar, no outro era aniversário do meu primo Lucas, o bebê mais lindo do mundo, e eu não podia faltar. E por último, um show no meio da tarde de uma quarta, a coisa mais sem cabimento que já vi - ou não - na vida, claro, que eu não pude ir e pelo que Amarante contou, ninguém pôde, só a banda e mais alguns amigos estavam lá.

Agora eles iriam para um sítio no meio do nada para compor músicas novas. A ideia era ter um número suficiente para fazer um álbum. E meu coração estava estraçalhado com a possibilidade de passar um mês longe de Amarante. Ainda me surpreendia e amedrontava perceber o quanto precisava dele, era como ter um cordão conectando-me a ele, a cada metro de distância que abríamos um do outro sentia o cordão tensionar e apertar meu peito, o alívio só vinha quando nos aproximávamos, a cada passo mais perto, mais aliviada ficava, mas o coração ainda batia descompassado, parte pela emoção de estar perto e parte por temer outra separação.

 E não sentiria só falta dele, mas da rotina que criamos durante o pouco tempo em que estamos juntos. De manhã, acordar ao seu lado, receber beijos sem fim em cada canto do rosto, ouvir sua voz rouca me dar bom dia. Às vezes ele ia para a faculdade, mas geralmente só eu me arrumava ouvindo ele falar e falar - sou uma dessas pessoas que não acorda pronta para desempenhar todas as funções básicas do corpo, como falar -, enquanto bolava um cigarro ou um beck. Eu fazia café e aos poucos aparecia uma cabeça desejosa de cafeína na cozinha - a casa parecia um albergue e eram raros os dias em que eu não encontrava alguém dormindo no sofá ou no chão da sala, às vezes encontrava Marcelo saindo do quarto do Vinícius, e eu mesma era uma agregada da casa. Durante o dia a banda ensaiava, quase todos os dias. Mas não era bem um ensaio, eles bebiam e tocavam e tudo parecia um grande sarau sem fim. À noite, a casa ficava cheia ou íamos para um bar, onde a conversa viraria uma mistura de discussão filosófica com declarações de amor e amizade. E quando finalmente íamos para casa, passávamos, Amarante e eu, noites em claro, nos moldando ao corpo um do outro, aquele quarto guardava sussurros e risos, pequenas alegrias e gestos, era o vaso onde florescia o melhor do que éramos nós dois.

Pensar em perder tudo isso de uma vez me dava uma angústia familiar e eu me censurava por sentir tudo isso. Repetia como um disco quebrado que eu não podia alimentar esse tipo de dependência, mas, como acontece quando você repete sem parar uma palavra até ela perder o sentido e parecer engraçada, era em vão que eu me repreendia. Parte de mim também temia que esse mês fosse longo demais. Longo o suficiente para que Amarante percebesse que eu não era boa, que eu não fazia falta em sua vida e ele fica melhor sem mim. Tudo era muito novo, não havia ainda uma fundação para sustentar as paredes que protegeriam nosso relacionamento. Não havia um "eu te amo" que selasse o compromisso de esperar. O que são 30 dias para um amor tão novo? Era como plantar uma semente, regar todas as manhãs e, quando menos se espera, encontrar um broto jovem e sedento de luz. Mas se não há rega por um, dois, trinta dias, o que acontece com a semente? Adormece ou morre?

- Por que você ficou calada de repente? - Ele passou a mão pelo cabelo, deixando os cachos ainda mais bagunçados. 

- Não é nada. Eu tenho que ir. - respondi, me levantando sem olhar para ele. 

- Pra onde? Você disse que não precisava ir pra faculdade hoje. - Seus olhos buscavam os meus, mas eu não podia olhar para ele, senão perderia a coragem.

- Lembrei que tenho que encontrar a Jéssica, já estou atrasada - falei enquanto catava minhas coisas e enchia a mochila. Com certo desespero, percebi que não caberia tudo, então passei a mão em um sacola de plástico e joguei o resto das roupas nela. - Ela vai me matar. - acrescentei para soar mais convincente. 

- Tá bom. Vai voltar mais tarde? - Ele se sentou na cama, sem camisa, despenteado, um short com estampa ridícula. A visão dele assim, tão exposto e à vontade doeu até os meus ossos, será que veria isso de novo?

- Não sei. - Me concentrei em calçar os tênis e amarrei de novo os cadarços que não precisavam ser amarrados. - Vou deixar a chave na cômoda. Se eu vier toco a campainha.

- Por quê? - Ele parecia confuso e um pouco alarmado. - A chave é sua, pode usar quando quiser.

- Mas eu nunca uso, tô sempre com você.

- Poderia usar hoje.

- Tô indo - falei como se dissesse "tchau". 

Me aproximei de Amarante, sentei em seu colo, segurei seu rosto em minhas mãos. Beijei seus olhos, seu nariz e finalmente sua boca, não contive um pequeno sorriso, porque apesar de sofrer em antecipação, ainda me deixava boba contente tê-lo pra mim. Mesmo que não para sempre. Antes que ele falasse mais alguma coisa, levantei e segui para a porta, parando apenas para puxar as alças da mochila e da sacola. O clique da fechadura ressoou por horas em mim. 

Do Nosso Amor a Gente É Quem SabeOnde histórias criam vida. Descubra agora