Capítulo 10

23 5 0
                                    

Abre os teus armários, eu estou a te esperar

Para ver deitar o sol sobre os teus braços castos...E fazer do teu sorriso um abrigo

... Nessa espera o mundo gira em linhas tortas

Os dias seguintes foram uma loucura que me deixou a centímetros de cometer um crime de ódio contra toda burocracia do mundo. Quando você vê alguém viajando por aí ou pegando as trouxas e se mudando para outro país, ninguém te conta da quantidade de papeis e formulários que é preciso preencher e juntar, da maneira confusa e nada explicativa como funcionam os consulados e embaixadas e como passar alguns meses fora do lugar que se nasceu envolve comprovações e autorizações invasivas.

Além disso, as provas de final de semestre estavam no meu caminho. Precisava terminar o período bem para me sentir menos culpada por trancar o curso até voltar. Quando comecei a faculdade não tinha ideia do que eu faria no futuro, quer dizer, não mais do que qualquer estudante tem, queria trabalhar, tinha um ideal formado sobre a faculdade, paixão pela profissão e mercado de trabalho, mas tudo era um borrão de um futuro que parecia muito, muito distante. Agora, faltando apenas um semestre para a formatura, comecei a me sentir sufocada com a obrigação de saber o que vinha em seguida, como se o não saber fosse uma tranca impenetrável para a porta que deveria se abrir para o meu eu do futuro. Entre estágios e empregos, explorei muitos caminhos possíveis para mim, até trabalhar em um escritório que combinava arquitetura e meio ambiente nas cidades, foi quando pensei "é isso, quero passar o resto da vida fazendo exatamente isso". Claro que foi justamente esse o único lugar em que não fui convidada para ser contratada depois do período de estágio, então peguei muito trabalhos como freelancer nessa área para continuar aprendendo. 

Embora as coisas não fossem tão fáceis, ainda tinha um compartimento dentro da minha mente onde eu guardava a ideia de que devia me formar dentro do tempo exato e que não podia me atrasar para a próxima fase da minha vida. Talvez esse tenha sido um dos motivos por que eu demorei tanto a aceitar a ideia de que devia me inscrever para o intercâmbio, mas quando descobri que fui aprovada tudo foi obliterado pela sensação de ter sido a melhor entre todos os candidatos, foi bom me sentir suficiente e eu queria sentir isso de novo, então tinha que ir e aceitar que para isso eu não me formaria junto com Jéssica e meus outros colegas. 

Com tudo isso acontecendo ao mesmo tempo, eu esperava ter menos tempo para pensar em Rodrigo, mas acontece que o dia tem muitas horas e as noites mais ainda, e uma mente inquieta trabalha muito mais rápido do que uma mente satisfeita, e nas horas mais inconvenientes eu era inundada por emoções: medo, saudade, paixão, insegurança, amor, raiva, tristeza. Eu esperava que ele estaria de volta logo, queria contar para ele pessoalmente, por algum motivo era importante que eu olhasse nos olhos dele para dizer que ficaria longe por seis meses. O jogo virou e a ironia disso me fazia rir um riso nervoso. E ainda esperava quando ele me ligou um dia de tarde. Eu estava concentrada em um projeto novo há mais de oito horas, com uma dor de cabeça se anunciando na testa e o telefone tocou, o que já foi suficiente para me alarmar, chegamos em um momento como sociedade em que receber ligações se tornou inconveniente ou o equivalente à música do plantão da Globo. O nome de Rodrigo na tela me fez pegar o telefone imediatamente.

— Tá tudo bem — ele me assegurou logo depois de ouvir o meu alô hesitante.

O sangue voltou a subir dos meus pés para o resto do corpo, eu confiava que ele não mentiria sobre estar bem, mas se ele ligou, alguma coisa não estava tão bem assim, se não era ele, então era a gente.

— Alguma coisa aconteceu, não é? Você não ia me ligar se não tivesse que contar uma coisa importante. - Pensei em como eu não liguei para contar a minha coisa importante e senti a consciência pesar. 

Do Nosso Amor a Gente É Quem SabeWhere stories live. Discover now