Capítulo 2

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Parece que foi ontem, eu fiz aquele chá de habu
Pra te curar da tosse do chulé
Pra te botar de pé


Às duas da tarde o sol parecia ter decidido que a Terra não precisava mais de vida humana - e quem era eu pra discordar? - e estava fazendo de tudo pra acabar com cada habitante, pelo menos na cidade do Rio de Janeiro. Por cima dos carros e do asfalto as imagens se distorciam igualzinho nos filmes que se passavam no deserto, só que agora sem a areia da minha querida praia. Jéssica e eu estávamos o mais arrumadas possível naquele calor: short jeans minúsculo e tops cropped, compensamos a simplicidade com tênis e acessórios. Não era lá um visual muito roqueiro, mas também não eram os anos 90, ninguém tinha que usar roupa preta e bandana no calor pra provar que gostava de rock; outro ponto em favor do nosso visual é que o show era mais alternativo do que roquenrol (yeah!!! 🤘).

O ônibus que pegamos pra cruzar a cidade da zona norte para a zona sul pela segunda vez no dia - tô dizendo que era um favorzão que eu estava fazendo pra Jéssica - não tinha ar condicionado, por isso minhas coxas grudavam no assento e a parte de baixo das costas também. Não aguentava sentir os cabelos encostando em mim, então tinha feito dois coques, um de cada lado da cabeça e, para passar bem longe de um cosplay de princesa Leia, deixei alguns fios soltos na frente e prendi tudo com grampos coloridos cheios de glitter. A Jéssica tinha finalizado o cabelo com cuidado e agora os cachos faziam um volume divino que emoldurava seu rosto perfeitamente, ela era uma das poucas meninas de cabelos cacheados que eu conhecia, incluindo eu mesma, que não tinha cedido à moda da progressiva, o resultado é que muito antes de todo mundo se ligar que cachos são bonitos ela já exibia os dela com orgulho, mesmo quando alguém fazia um comentário idiota. Um dia eu chegaria lá...

Finalmente descemos em um clube na Gávea que era como tantos outros lugares daquela área, uma antiga casa transformada em alguma coisa que dava dinheiro, se bem que eu não tinha certeza se dava pra ganhar dinheiro hospedando bandas independentes pra shows que não vendiam nem os ingressos obrigatórios da banda. De qualquer forma, o lugar tinha um corredor largo e a entrada era pelos fundos. Ao lado da porta uma bilheteria improvisada com uma mesa coberta com um pano preto e máquinas de cartão e um pequeno bar e lanchonete. Pagamos nosso ingresso e entramos pelas portas duplas. A casa não tinha ar condicionado, para o meu desgosto, e ninguém parecia se importar com isso, os grupos que chegaram muito cedo já estavam bêbados e algumas pessoas faziam uma rodinha aproveitando a música agitada que tocava nas caixas de som. O salão principal onde o palco estava instalado tinha grandes janelas abertas para simular um ambiente arejado, que não era real pelo calor e a quantidade de pessoas, e ainda havia outros cômodos abertos, alguns com música e outros com sofás e cadeiras, já ocupados por casais recém formados com a benção do lúpulo e da cevada.

Circulamos o clube em busca do nosso alvo, o Artur, mas até agora ele não tinha dado as caras, então a Jéssica sugeriu que a gente pegasse umas bebidas.

- Finalmente os refrescos! - disse aliviada depois do primeiro gole da cerveja que escolhi. Jéssica tocou sua garrafa na minha num brinde de concordância.

Encontramos um canto mais calmo e conversamos por alguns minutos, mas logo os integrantes de outra banda que tocaria também começaram a arrumar os instrumentos e de repente uma letra em inglês começou enquanto os músicos tentavam manter o ritmo e ficou impossível falar em um tom de voz normal. Eu tentei me envolver no som que os três tocavam, mas não entendia metade do que o vocalista cantava, não porque era em inglês, mas porque ele praticamente estava comendo o microfone. Mesmo assim mexi o corpo mais ou menos no ritmo e encorajei a Jéssica a dançar comigo, tarefa difícil porque ela olhava para os lados a cada minuto procurando sinal do Artur. Finalmente, lá pela terceira música da banda desconhecida que não tomou fôlego nem para saudar a plateia - crescente a cada minuto - muito menos para dizer quem eram, o embuste safado chegou e eu soube disso por causa da cotovelada discreta que recebi da Jéssica. Massageei as costelas e reparei que ele tinha vindo com dois amigos, os três vestiam camisas de banda, Arctic Monkeys, Supercombo e Deadfish - bem ecléticos. O Artur era o AM e não percebeu nossa presença, parou bem perto do palco com sua cerveja para prestar atenção no show. Quando eles anunciaram a última música, Jéssica me arrastou para comprar outra cerveja e me dizer alguma coisa.

Do Nosso Amor a Gente É Quem SabeWhere stories live. Discover now