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Passei grande parte da manhã distraída, ignorei completamente os olhares hostis. Minha mente vagava pela notícia de ser filha de Richie e meu corpo seguia as mesmas instruções que eu realizava desde os 14 anos.

-Miau.
(Não sei porque se sente assim. Há quantos anos Pá cuida de você?)

Beto se encolheu ao ouvir Bolinho falando. O gato estava em cima da pequena mesa com um prato de leite à sua frente. Acredito que Riwty estava usando um olhar intimidador para conseguir benefícios.

-Seis. _ Falei olhando para Beto.

Do lado de fora não dava para ouvir os miados, então era seguro conversar, desde que parecesse que eu falava com Beto. Ele balçançou a cabeça, interpretando o papel.

-Miau
(Então, logo você terá mais tempo de vida com seu pai como Pá, do que aquele que você achava que era. Isso não é importante, o importante foi quem te criou e te deu amor e carinho. Não é assim que funcionam as famílias humanas?)

Concordei internamente. E como funcionavam as famílias faes?

Durante o horário de almoço Riwty nos trancou novamente na padaria e se transformou. Fiz uma careta pensando nos xingamentos que seriam piores a partir de agora.

Beto ainda se encolhia na presença do fae, que parecia se divertir com o desconforto dele.

Riwty se apoiou no balcão e ficou olhando uma torta de maçã que seria colocada para a venda em uma hora. Ele parecia intrigado com as tranças de massa que escondiam parcialmente o recheio.

-Sabe, eu nunca aprendi a cozinhar bem.

-Mas você tem quinhentos anos.

Os olhos do padeiro se arregalaram.

-Pois é, mas passei a maior parte da minha vida em acampamentos de guerra. Só cozinhei o básico. Além disso, comemos muita carne crua.

-Então por que aprender a cozinhar?

Levei um susto com a súbita coragem de Beto de interagir diretamente com o fae, pela expressão de Riwty ele também ficou surpreso.

-Porque todos gostam de doces e comidas bem feitas. Gosto especialmente de massas e doces. O que tem de sobra em uma padaria. Infelizmente nunca me ofereceram nada.

-Eu não sabia que gostava de doces.

-Não percebeu que todas as ofensas sobre seu apetite eram uma tentativa de fazer você dividir a comida comigo?

-Não, você poderia ter só pedido.

Riwty revirou os olhos e senti uma grande frustração. Acho que também devo ter revirado os meus.

-Enfim, é bom poder ter mais alguém para conversar.

-Você participava de todas as conversas.

-Alguém que entenda o que eu digo.

-Às custas da minha reputação né?

-Que reputação?

Abri a boca, ofendida. Foi como um tapa ter aquilo jogado na minha cara. Até Beto olhou com raiva para o fae.

-Eu sinto muito.

-Agora não, depois conversamos.

Riwty sumiu depois disso, deixando a porta aberta. O resto do dia foi silencioso, com apenas alguns toques de Beto me indicando que estava ali para mim. Quando finalmente saí da padaria ele me entregou um pacote de biscoitos.



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