5

120 31 4
                                    

Eu precisava voltar, meu horário de almoço já devia ter passado. Levantei cansada.
-Preciso voltar para o trabalho.
-Tudo bem.
Riwty se transformou novamente em um lindo coelho marrom.
-Não posso levar você assim, coelhos não seguem seus donos por aí.
O focinho do animal se mexeu rapidamente, como se fosse uma mania de quando precisava raciocinar rápido. O coelho se alongou, suas orelhas diminuíram drasticamente e um longo rabo em forma de ponto de interrogação apareceu. Eu olhava para um felpudo gato marrom de olhos verdes.

O espaço ao meu redor se transformou e pareceu se espaçar. Quando pisquei havia apenas uma árvore prateada. Estremeci. Peguei Riwty no colo e bufei, era um gato marrom, felpudo e obeso. Pendurei o bicho desajeitadamente no ombro
e procurei o caminho para a vila.
-Ellie._ Era a voz de Matias_ O que está fazendo aqui sozinha?
-Vim procurar o Pablo, ele não estava com você?
-Não o vejo desde ontem.
Aquilo me surpreendeu um pouco mas continuei seguindo Mat com seu carrinho de mão repleto de toras, ele deveria estar voltando para Pinha.
-Que gato é esse no seu colo?
-Eu o achei na floresta, perdido coitado. Fiquei com pena e resolvi adotar.
-Isso no seu braço é o quê?
-Ah, o bolinho me arranhou assustado.
O gato chiou e eu ri por dentro.
-Bolinho?
-Eu trabalho em uma padaria então achei um bom nome. Além disso, ele é fofo como um bom bolo deve ser. Aperte um pouco.
Matias passou a mão no pelo do fae, mas imediatamente foi atacado por suas garras e o bichano chiou novamente.
-Bolinho!_zanguei com o gato.
-Miau.
(Você não pode dar permissão para ninguém encostar em mim, ele teve sorte de não ter tido o dedo arrancado)
Estaquei, era a voz de Riwty como se sobreposta ao miado.
-Ellie, você está bem?
Olhei para o gato e ele piscou para mim, com apenas um olho.
-Estou, apenas me senti um pouco tonta.
Matias me olhou preocupado e começou a caminhar mais lentamente.
Nos separamos quando chegamos em Pinha, caminhei distraidamente até a padaria. Será que dona Gema se importaria se o gato passasse a tarde lá?
Entrei pela porta dos fundos e a encontrei colocando uma torta no forno.
-Desculpa a demora, vovó.
-Tudo bem, minha flor, foram só dez minutinhos.
Franzi o cenho, parecia que havia se passado muito mais tempo. Dona Gema olhou para mim batendo as mãos farinhentas no avental e encontrou Riwty.
-Olha, mas quem é esse aí?
-É o Bolinho, adotei hoje.
Dona Gema colocou a mão no gato antes que eu pudesse avisá-la, mas bolinho apenas arreganhou os dentes e deixou a velhinha fazer carinho. Vovó roubou o gato do meu colo e bufou do mesmo jeito que eu fiz.
-Essa vila deve estar cheia de ratos, não é Bolinho? Você está bem alimentado.
-Miau.
(Ovelhas, maravilhosas ovelhas gordas, além de alguns bêbados na estrada.)
Arregalei os olhos, agora entendia porque algumas ovelhas do senhor Barnaby haviam sumido, ele tinha culpado o Feny, o outro fazendeiro da vila, de roubá-las. Feny disse que nunca fez nada parecido e os dois foram até o conde resolver a briga.
-Vou dar para essa gracinha um prato de leite e fechar a porta para que não fuja.
Dona Gema fez exatamente isso e Riwty bebeu o leite como se fosse um gato comum. Lancei um olhar desconfiado para ele e voltei para o trabalho.
A parte da tarde foi tão agitada quanto a manhã, mas eu estava distraída pensando em onde poderia estar Pablo.
-Vovó, a senhora viu o Pablo hoje?
Nesse momento uma voz odiosa respondeu por ela:
-Está com medo de perder o noivo? Ele encontrou uma vadiasinha melhor? Deveria ter medo mesmo, ninguém vai querer uma puta como você.
-Saia daqui Jeremiah._ disse dona Gema para o desgraçado.
-Eu sou um cliente, vovó.
-A partir do momento que insultou minha funcionária você não é mais. Só volte quando tiver modos e se desculpar.
O lenhador rangeu os dentes e saiu pisando duro. Eu fiquei ali, me sentindo humilhada, pois ele falou isso na frente de outras três pessoas, que me olhavam maliciosamente e riam.
-Ellie, vai confeitar o bolo de cereja, vou ficar com a bancada por um tempo. Minhas costas não estão aguentando ficar mais tempo curvadas.
Eu sorri para dona Gema, ela era a melhor pessoa que eu já tinha conhecido. Fui para a cozinha e comecei a desenhar espirais de creme no bolo de cereja, colocava uma no final de cada espiral e comi algumas também. O fae roçou na minha perna e depois se esticou, peguei uma fruta para ele também. O bichano brincou um tempo com a cereja e depois a comeu. Os dentes dele ficaram vermelhos e me lembrei de Riwty lambendo o meu sangue do seu canino mais cedo. A malícia que vi nos olhos do gato me fez perceber que ele pensava o mesmo.
-Miau.
(Quer repetir a experiência?)
Não sei porque, mas simplesmente estiquei meu dedo em sua direção. Um vento veio de fora da padaria e bateu a porta da cozinha.
O fae se transformou em sua forma humanoide e pegou meu dedo. Dessa vez ele realmente mordeu, a fisgada não conseguiu me acordar para o mundo, pois ainda encarava enquanto ele passava a língua pelo meu dedo e depois o chupava. Ele me puxou e me colou em seu corpo.
-Achei que não seria a mesma coisa na forma de um gato.
Então bolinho estava novamente aos meus pés, bamboleando seu corpo gordo para a tigela de leite.
Eu não conseguia pensar, meu cérebro tinha virado uma poça. Olhei para o meu dedo e a pequena marquinha não sangrava mais. Esqueci de tudo e fiquei encostada na bancada da cozinha até dona Gema aparecer.
-Nossa minha menina você viu o vento que veio? Menina? Minha flor o que você tem?_ perguntou a senhorinha correndo para me acudir.
-Nada não, vovó. Eu apenas fiquei tonta.
Dona Gema me trouxe um copo de água com açúcar e me sentou em um banquinho.
-Menina, você está tremendo. Vou pedir para o Pablo te levar para casa.
Aquilo me trouxe de volta a realidade.
-O Pablo está aí?
-Sim, ele passou hoje mais cedo mas não te achou.
Eu assenti. Peguei Bolinho no colo e ele começou a ronronar, comecei a desconfiar da sanidade daquele fae. Faes eram sãos? Pelo menos da maneira que nós vemos a sanidade? Achava que não.
Pablo me encontrou nos fundos da padaria e me deu a mão, segurar o gato gordo com um braço só se mostrou uma tarefa um pouco cansativa.
-Não sabia que gostava de gatos, Ellie.
-Você não sabe de muita coisa.
Estava irritada, me encontrava naquela situação por causa dele. Pablo arregalou os olhos, não costumava ser grossa.
-Onde você estava? Procurei por você e Matias disse que não tinha te visto e seu pai falou que tinha saído para me encontrar.
-Eu ia levar uma torta para você, junto com um presente, desculpas por ontem.
Revirei os olhos, por que todos achavam que eu seria comprada com presentes?
-Mas aí eu comecei a passar mal e tive que me trancar em casa, fiquei duas horas vomitando.
O fato de Bolinho ronronar mais alto me indicou que aquela peste tinha algo com isso. Franzi os olhos para ele, o gato pareceu sorrir.
-Esse seu gato é muito estranho, parece haver uma maldade nos olhos dele.
Não respondi porque concordava com Pablo.
-Tanto Vovó quanto Matias me disseram que teve tonturas hoje? Você já está grávida?
-Eu não sei, não tomei a beberragem depois de meu encontro com Felipe ontem, mas creio que está muito cedo para saber. Eu só estive muito nervosa de ontem para hoje.
Pablo me olhou com uma mistura de pena e culpa.
-Esse anel é novo?
-Sim, Felipe me deu.
-Ele ainda quer se casar com você?
A incredulidade na voz de Pablo me magoou profundamente.
-Por quê? É impossível que alguém além de você queira se casar comigo?
-Não, não foi a minha intenção dizer isso, Ellie, me perdoe.
Já estávamos na porta da minha casa, dessa vez foi ele que se inclinou para me beijar. Porém, Riwty chiou e arranhou com muita força o rosto de Pablo, três tiras se sangue escorreram de sua bochecha.
Meu noivo recuou assustado e olhou longamente para Bolinho que ainda chiava para ele.
-Acho que seu gato sente quando está irritada.
-Desculpe por isso, Pablo.
-Depois do que eu falei foi mais do que merecido.
-Miau.
(Ainda bem que você sabe, projeto de homem.)
Aquilo me pegou de surpresa então me despedi apressadamente e entrei em casa.

AceitoWhere stories live. Discover now