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Paramos em frente a um casarão. Tudo na fachada era grandioso, enormes janelas de vidro lapidado em formas hexagonais, estátuas de mulheres de dois metros de altura e vários arabescos.

-O que é isso?

-Você já vai ver, moça curiosa.

Ele abriu o enorme portão de ferro e entramos. De perto a construção era ainda mais bonita, a escadaria que levava à entrada era toda detalhada com flores, assim como as estátuas, coisa que eu não tinha visto antes pela distância.

Ele provavelmente havia enfeitiçado os guardas porque nenhum apareceu enquanto entrávamos no casarão. Por dentro tudo era ainda mais bonito. As paredes eram forradas de tecido branco, o que dava destaque para os inúmeros quadros que nelas estavam.

-Isso é um museu?

-Sim, o museu particular do conde.

Eu estava encantada, nunca tinha ido a um museu. Cheguei perto de uma das paredes e observei o quadro mais próximo. Ele representava de maneira extremamente realista um casamento.

Senti vontade de passar os dedos pela pintura, mas Riwty segurou minha mão.

-Quando toca nos quadros você danifica a pintura.

Exclamei um "Ah" e abaixei o braço. Ele continuou segurando minha mão enquanto andávamos pelos corredores do museu.

Depois de andarmos dois enormes andares entre as pinturas e esculturas mais lindas que eu já havia visto sentamos em um banco que ficava em frente ao meu quadro preferido.

Ele era enorme, por volta de dois metros de altura e quatro de largura e representava uma linda mulher de cabelos claros com asas de pássaro.

-É uma fae?_ Perguntei para Riwty.

-Não. Essa figura é chamada de anjo. Em um país do extremo oeste eles acreditam que esses seres são enviados de Deus. Não sei muito mais do que isto. Só fui lá uma vez e fiquei pouco tempo.

-Ah sim. Você já viajou muito?

-Quase o mundo inteiro.

-Eu queria conhecer o mundo.

-Você tem um pedido para gastar, pode usar para isso se quiser.

Sorri para ele, eu realmente poderia.

-Você está cansada.

-Sim.

-Vamos voltar.

Assenti com a cabeça e saímos do museu. Tinha sido uma experiência incrível ver todas aquelas pinturas magníficas e esculturas que representavam a pele e os tecidos tão perfeitamente que quase não acreditei que eram feitas de pedra.

Anjos, nossa cultura não tinha seres assim. Eles seriam classificados como fae e tão odiados quanto. Era incrível como tínhamos a capacidade de odiar tanto quem nem conhecíamos verdadeiramente.

Andávamos pelas ruas fracamente iluminadas com as mãos dadas, ele tinha puxado a minha e eu deixei ficar assim.

Minhas pernas estavam cansadas de tanto percorrer os enormes corredores do museu. Achava um absurdo que apenas o conde e seus convidados pudessem ver todas aquelas obras de arte. Infelizmente eu era apenas uma camponesa e não poderia fazer nada com relação a isso. Se bem que Riwty podia, se eu gastasse meu pedido com isso. Mas pedir o quê? Que a monarquia acabasse? Se isso acontecesse nosso país entraria em guerra e isso traria mais problemas do que qualquer outra coisa. Eu simplesmente não tinha uma solução para aquilo.

Estávamos virando uma esquina quando avistamos um homem caminhando na direção oposta. Ele usava um manto pesado, um chapéu e algo emanava um brilho prateado em seu pescoço.

Riwty rosnou e eu não consegui acompanhar seus movimentos, pois quando pisquei ele sufocava o homem com o próprio cordão.

Eu corri até eles, mas Riwty rosnou para mim e eu fiquei paralisada. O desgraçado havia me enfeitiçado. Só consegui observar completamente horrorizada enquanto o homem se debatia nas mãos do fae. Riwty só podia ter enlouquecido.

O corpo caiu sem vida e o fae ainda cuspiu sobre ele. Depois disso, o homem morto pegou fogo e em instantes não havia nenhum resquício daquele assassinato.

Eu finalmente podia me mexer e precisei usar todo o meu autocontrole para não começar a gritar.

-Que merda foi essa que você fez?_ Vociferei para ele.

-Ele estava usando um pedaço da árvore sagrada.

-E daí? Todos os sacerdotes unificadores usam. Isso é motivo para você matá-lo sem nenhum motivo?

-Nenhum motivo? O que você pensaria se alguém pegasse o que é mais sagrado para o seu povo, destruísse e andasse com parte dos escombros pendurado no corpo com o único motivo de demonstrar seu ódio? Porque sabem que aquele símbolo é gravado em sua alma de alguma maneira. Isso foi feito por desprezo, por vontade de reduzir o espírito do inimigo. Acho esse tipo de atitude um dos piores crimes possíveis.

-Mas foi só uma árvore, existem mais.

-O que você ia achar se eu torturasse, matasse e usasse o olho de uma das suas irmãs penduradas no dedo? Você ainda teria a outra.

-Mas ela é um ser humano, não uma árvore.

-Você não sabe de nada. Nós fae acreditamos que quando morremos viramos uma árvore sagrada, a árvore que foi cortada para fazer aquele cordão era o espírito de um fae, que foi dilacerado.

Fiquei enjoada com a possibilidade de uma alma ser dilacerada.

-Mas os sacerdotes não sabem...

-Sabem e é justamente por isso que eles fazem. Não seria tão importante se fosse apenas um portal.

-Entendo.

Riwty se abaixou, cavou e enterrou o pedaço de madeira prateada na terra entre as pedras hexagonais.

-Mas pensei que tivesse dito que a alma tinha sido dilacerada.

-E foi, mas se plantada por um fae qualquer pedaço de árvore sagrada pode voltar a crescer. Não será o mesmo espírito, será o que chamamos de espírito filho e se os outros pedaços dessa árvore forem plantados serão os espíritos irmãos.

-Mas vão cortar assim mesmo.

-Não terão coragem, seria uma declaração de guerra e os refugiados de Právia não deixariam isso acontecer.

Seu sorriso era maligno naquela escuridão.

Continuamos caminhando até chegarmos na mansão dos Lint, não falamos mais nada peli caminho. Riwty me pegou no colo para pular pela janela e eu deitei na sem falar nada. Fechei os olhos sem dar boa noite e o fae deitou em sua forma felina na outra ponta da cama.

Eu pensava em tudo o que ele havia falado, principalmente quando comparou com matar uma de minhas irmãs, mas a imagem daquele homem sendo sufocado e a lembrança de ele ter me enfeitiçado para que eu não interferisse não saía da minha cabeça.

AceitoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora