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Quando me levantei tinha a sensação de ter sido atropelada por uma carroça. As lembranças da noite me atingiam em sequência até chegarem no ponto crucial, Riwty tinha matado um homem. Bem, tinha matado vários, mas não foi para se alimentar, ele simplesmente matou e na minha frente. Ele não poderia ter ido atrás dele depois de me deixar em casa?

Bolinho não estava na cama, tinha deitado em uma poltrona perto da cômoda. A imagem dele sozinho ali, quando sempre acordava comigo, amoleceu meu coração.

O gato estava dormindo, então eu o peguei gentilmente e coloquei na cama. As vezes eu tinha uma imagem separada de Riwty e Bolinho, mesmo sabendo que os dois eram o fae.

Cocei a orelha do bicho e me deitei ao seu lado. Ele abriu um olho e foi se enroscar na minha barriga, ronronando.  Era uma sensação tão aconchegante que voltei a dormir.

Em algum momento a camareira bateu na porta e entrou. Eu e Bolinho ainda estávamos da mesma maneira.

-Senhorita, está na hora do café.

-Muito obrigada, já vou descer.

-Não vai precisar de ajuda para se vestir?

-Não, mas se você puder trazer uma bacia com água para lavar o rosto ficaria muito grata.

-Claro, volto em alguns minutos.

Levantei da cama e vi que Riwty havia dado um jeito de sumir com o manto durante a noite. Minha camisola apesar de longa e sem nenhum enfeite, era ligeiramente transparente. Era impressionante como eu não me sentia envergonhada com minha nudez perto de Riwty.

Eu deveria mesmo ser uma devassa, tinha apenas dezesseis anos e já havia me deitado com dois homens. Porém eles faziam muito mais do que isso sem nenhum julgamento, não conseguia entender o porque de sermos tratados de maneiras diferentes.

Peguei minha escova e comecei a desembaraçar o cabelo. Fiz caretas ao puxar os nós e forcei o objeto para que desembaraçasse mais rápido.

Não percebi Riwty chegar por trás de mim, por isso dei um leve gritinho. Ele riu e tirou a escova das minhas mãos.

-Vai ficar careca se continuar assim.

Ele começou então a pentear de uma maneira completamente diferente. Primeiro usando os dedos, para desfazer os amontoados. A sensação era muito boa, parecia quase um carinho. Depois que Riwty fez isso em todo o comprimento do meu cabelo ele passou um pente de madeira com dentes largos. O resultado foi muito melhor. Quando ele terminou eu tinha os cachos verdadeiramente penteados.

O fae não pareceu ficar satisfeito apenas com isso, então começou a separar meu cabelo em partes e fez uma trança complicada que ia de um lado a outro da minha cabeça. Quando terminou, deu um leve beijo na parte exposta da minha nuca, o que me fez estremecer.

Por que eu deixava ele se comportar assim comigo? Talvez porque eu soubesse que ele me forçaria com facilidade se negasse? O problema é que não ficava desconfortável com esses toques. Não queria pensar sobre isso.

-Está linda.

-Obrigada.

-Deveria fazer penteados assim, em vez de simplesmente dar aquele nó feio no cabelo. Ele é tão bonito.

-Não sei fazer.

-Eu sei, vou arrumar seu cabelo a partir de agora.

Dei um pequeno sorriso.

-Ter você por perto é diferente de tudo o que eu esperava.

-O que pensou que fosse acontecer? Nós realizamos favores.

-Mas sempre acaba mal para os humanos. Eles ficam loucos ou desaparecem.

-Realmente, alguns ficam loucos, mas é pela própria cobiça. Pedem coisas grandiosas, verdadeiros absurdos, e quando o fae vai embora se desesperam.

-Pensei que os fae escolhessem o que querem oferecer.

-Sim, mas muitos tentam oferecer coisas que possibilitem sua separação do humano. Ninguém quer ficar preso a uma pessoa por décadas com a chance de ainda ser morto.

-Então por que escolhem? Por que me escolheu?

-Não faz diferença nenhuma para você o motivo, o importante é o resultado. Eu estou preso a você e ainda abdiquei de qualquer possibilidade de te abandonar.

-Mas por que fez isso?

-Não importa. Minha companhia é tão terrível assim de aturar?

-Não é essa a questão. O problema é que minha vida também está atrelada a sua. Corro perigo duas vezes, se descobrirem que eu sou a escolhida de um fae me matam e se matarem você eu morro.

-Eu não sou um idiota. Apesar de toda a humilhação eu ainda consegui chegar ao posto de general, te garanto que consigo te proteger.

-O que quer dizer com humilhação?

Infelizmente, nesse momento a camareira bateu e entrou com a bacia de água. Riwty se transformou em Bolinho e seu olhar não era nada amigável. Tentei fazê-lo responder qualquer coisa durante o resto de minha arrumação, mas ele simplesmente fechou os olhos e fingiu dormir. Também não desceu comigo para o café.

AceitoOpowieści tętniące życiem. Odkryj je teraz