3

147 35 8
                                    

Cheguei em casa terminando minha segunda tortinha que tinha sobrevivido ao ataque de Felipe. Estava receosa do que ia encontrar, minha irmã já deveria estar em casa a essa hora. Abri a porta como quem ia para a forca, mal pus os pés em nossa morada e Ester já me agarrou como um furacão.
-O que você fez dessa vez? A vila inteira está falando de você.
-Grande novidade.
-Você não tem vergonha das suas ações?
-Não, eu não tenho.
Estava tão cansada, não queria gritar nem brigar, então resolvi ir para o quarto que eu dividia com Elise.
-Nossa irmã não vai conseguir se casar por sua causa.
-Seremos noras do segundo homem mais rico da vila, claro que ela vai conseguir.
-Nossos pais teriam vergonha de você e eu tenho nojo de quem se tornou, Ellie.
Minha irmã mais nova apareceu com os olhos arregalados.
-O que você está fazendo Ester? Como pode dizer que tem nojo de nossa irmã? Ela tem um trabalho honesto, nunca fez mal a uma mosca e nunca maltratou nenhuma dessas pessoas que falam dela.
-Mas o comportamento dela é inaceitável.
-Por quê? Por que ela é mulher? Os homens dessa vila fazem até pior, quantos já não forçaram suas pareciras, noivas e depois as abandonaram? Não vejo nada de errado no que Ellie faz, eu não faria, mas ela tem todo o direito de fazer.
-Ela é menor de idade, está sob a minha responsabilidade.
-Se você realmente se importasse com isso não deixaria ela se casar até fazer 19 anos.
Eu estava cansada, muito cansada. Abracei Elise, o verdadeiro anjo da minha vida e fui para o quarto. Deitei como uma bola na minha cama. Elas continuaram discutindo por muito tempo, mas eu só queria ficar enrolada.
Na manhã seguinte, levantei antes de todas e tomei banho, a água ainda não estava tão fria e eu não iria desperdiçar lenha com isso, madeira era um dos itens mais caros, já que ninguém gostava de ir até a floresta.
Não sentia fome, então saí sem comer nada. A vila estava começando a se movimentar e eu andei até a padaria tentando ignorar os olhares.
-Bom dia, vovó.
Dona Gema sorriu para mim com a boca sem dentes e levantou a tampa do balcão para que eu entrasse. Enquanto ela assava os pães eu fazia uma faxina no lugar, varria a padaria, passava um pano no balcão de venda e tirava todo o lixo das bancadas da cozinha.
A parte da manhã foi longa, mas finalmente acabou. Meu horário de almoço atrasou bastante, mas mesmo assim estranhei não ver Pablo na Taberna. Procurei meu sogro no balcão e perguntei sobre o meu noivo.
-Ele disse que ia levar seu almoço lá na padaria. Vocês não se esbarraram?
-Não.
Só existia um caminho entre a padaria e a taberna, então se não tínhamos nos encontrado significava que ele havia mentido para o pai. Nossos olhares de compreensão apareceram no mesmo momento. Pá xingou e eu corri.
Eu estava com muita raiva, muita raiva mesmo. Depois de tudo o que aconteceu ontem eles continuavam sendo tão imprudentes. Não pensavam em ninguém, nem neles mesmos.
Era a primeira vez que eu entrava na floresta sozinha, minhas pernas tremeram, mas não me permiti parar. Se alguém os visse eles teriam os pênis amputados e seriam expulsos da vila com apenas a roupa do corpo. Não podia deixar isso acontecer, a maioria dos transviados não conseguia chegar a vila seguinte, morria de hemorragia ou infecção. Pá ficaria desolado se o filho sofresse a punição, fora a família de Matias, ninguém merecia passar por isso e mesmo que eu achasse essa lei bárbara, não podia fazer nada.
Fui para os lugares que costumávamos ir, tínhamos feito pequenas marcações nas árvores usuais, porque eu e Pablo não nos movíamos tão bem quanto Matias. Passei por todas as marcas e não os encontrei. Resolvi ir mais para o fundo da floresta, talvez eles não estivessem fazendo nada comprometedor, eles poderiam estar só conversando sobre o que aconteceu ontem. Decidi voltar.
Meu coração quase saiu pela boca quando vi uma árvore da vida, a árvore sagrada dos fae. Saí correndo para o outro lado, mas encontrei outra. Sua madeira prateada era linda, não se sabia porque os fae idolatravam essas árvores, se era por sua cor única, ou qualquer motivo que nós humanos desconhecíamos.
A única coisa certa era que cortar até mesmo um galho que fosse da árvore da vida era uma declaração de ódio aos fae. Todos os sacerdotes da religião unificadora, como o pai de Felipe, usavam contas dessa madeira. A declaração de guerra que eles faziam contra os fae. Outras eram matar os fae quando conseguiam e matar imediatamente um humano escolhido por eles, para salvar a alma da pessoa, segundo eles.
Continuei correndo, mas de repente me vi envolta em um círculo dessas arvores. Minhas pernas não aguentaram e eu caí. Meu corpo todo tremia e eu não conseguia me acalmar para pensar racionalmente.
Então um lindo coelho marrom veio pulando na minha direção, o bichinho mais frágil que eu já havia visto. Quando dei meu dedo para o bicho cheirar ele simplesmente se transformou.
Um ser com uma beleza impensável apareceu na minha frente. Um homem alto, com a pele de um marrom profundo, como o tronco de uma árvore, os cabelos eram lisos e iam até o quadril, as cores deles eram como uma folha de outono e variavam de um laranja, passando por um vermelho escuro e até um castanho claro. Aquela mistura me fazia querer tocá-lo e separar fio por fio. Sua boca era de um tom rosado e sorria para mim, mostrando caninos levemente alongados. Por fim, seus olhos, os olhos eram simplesmente hipnotizantes, de um verde folha cintilante como a grama brilhando com o orvalho da manhã.
-Olá Ellie, eu sou Riwty e você é a minha escolhida.

AceitoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora