Era um casal na faixa dos cinquenta anos; ele era jardineiro e ela, cozinheira e arrumadeira. Além dos dois, veio um jovem segurança que me serviria de motorista quando eu precisasse sair, segundo Miguel. Era um rapaz sério, mas simpático. Achei-o de confiança. Todos dormiriam na casa, pois havia quartos suficientes nos fundos, perto da cozinha. Eles mesmos cuidaram de torná-los habitáveis. Miguel garantiu que era seguro e que a presença dos empregados me faria bem.

Dona Teresinha, a cozinheira, era uma mulher de baixa estatura, muito educada. Falava pouco, mas estava sempre por perto de uma forma confortável. Se ofereceu para me ajudar com Alice sempre que eu precisasse.

À noite, Miguel se aproximou, já vestido para sair. Não dei muita ousadia. Não que eu esperasse sentimentos ou consideração da parte dele, mas aquela partida, naquele momento delicado, era uma irresponsabilidade. Ele tinha se esquecido do que eu tinha passado apenas um dia antes? Tá, ele arrumou empregados, mas era justo eu me ver às voltas com três desconhecidos depois de tudo o que tinha acontecido? Não me despedi dele. Fui para o quarto e fiquei lá com minha filha torcendo para que aquilo tudo acabasse logo (e bem).

Na tarde do dia seguinte, Miguel ligou. Ele disse que tinha chegado bem e perguntou como estava Alice. Ao invés de responder, entreguei o telefone à pequena, e não falei com ele quando ela deixou o aparelho cair no chão. Ainda estava chateada, e se Miguel me perguntasse, eu diria coisas não muito agradáveis e os empregados ouviriam. Para descargo de consciência, peguei meu próprio telefone e mandei mensagens para tia Elda. Tinha quase uma semana que eu não falava com ela. Mandei fotos de Alice para ela matar a saudade. Depois liguei e ela me atendeu com empolgação. Inventei que não tinha ligado antes porque a gente estava viajando por um lugar onde o sinal era ruim. Não era totalmente mentira, pois o sinal de telefone naquela elevação era ruim mesmo. Tinha uma antena específica para a internet.

— Estava ficando preocupada, querida — disse tia Elda. — Tinha dias que você não dava notícias, e olha que acabou de conhecer esse rapaz...

— Que interessante a senhora se lembrar disso agora, tia. Quando eu o conhecia menos ainda, a senhora ficava me jogando para cima dele — falei. Não era um bom momento para jogar isso na cara de ninguém, mas eu não resisti.

— Eu não fiz nada disso!

— Fez sim. Fez na frente de todo mundo.

— Mas eu só falei para você se cuidar melhor e ser menos dura com os homens. Não te joguei para cima de Miguel. Aliás, cadê ele? Vocês estão juntos?

Essa pergunta era complicada. Como eu ia explicar tantos dias de sumiço e dizer que não estava com Miguel, ou seja, dizer a verdade?

— Miguel está resolvendo coisas dele. Ele tem negócios por aqui. — Foi a primeira ideia que me ocorreu. Negócios.

— Hum. Qual a profissão dele, querida?

— Ele mexe com imóveis, eu acho. Eu não fico perguntando. — Minha cara estava ardendo por causa das mentiras deslavadas.

— Sua mãe ligou ontem. Você devia falar com ela. Ela reclama tanto que você não liga...

— Vou ligar. Mas a senhora podia dizer a ela que estou bem e que não precisa se preocupar? É que talvez eu não consiga fazer a ligação. É tão ruim o sinal por aqui... — O que eu não conseguia era me manter calma falando com minha mãe ao telefone e mentindo para ela.

— Imagino como deve ser ruim. Eu tentei te ligar várias vezes e a ligações foram direto para a caixa postal. — O que era natural, já que meu celular normal permanecia desligado.

— Puxa, tia. Sinto muito! Mas eu volto a ligar, está bem? Alice e eu estamos ótimas, ela está se divertindo muito. Não se preocupe conosco.

Após desligar e tirar a bateria do aparelho, como Miguel havia pedido, eu me deitei e chorei. Chorei de raiva, tristeza e abandono. Chorei de medo, por não saber o que estava acontecendo, por não saber por que, exatamente, eu tinha deixado a minha vida e acreditado naquele homem. Senti falta dos tempos difíceis que vivia antes de o Miguel aparecer com seus problemas, com seu encanto e sua arrogância. A vida parecia tão segura antes daquilo tudo. Agora eu vivia como uma criminosa, uma fugitiva. Me iludia quando Miguel estava por perto, mas caía na real quando ele sumia. Minha vida tinha se tornado muito esquisita.

Insensatez (Em Andamento)Where stories live. Discover now