Capítulo 4: A saga do Anel

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Em busca do Anel

Devido à suposta importância do tal anel, preferi não dizer à tia Elda que sabia onde ele estava, pois ela poderia crescer os olhos. As pessoas são assim quando se trata de coisas de valor. Em vez disso, fiz planos de ir até a casa dos meus pais para busca-lo, meu pai ainda não falava comigo, mas minha mãe estava ansiosa para conhecer a neta. O problema era as passagens, cerca de duzentos reais para ir e voltar. Eu tinha pensado em não usar os dólares por ora, até porque transformá-los em reais daria bastante dor de cabeça, mas eu não tinha outro dinheiro para gastar.

Também tive receio de que mamãe tivesse tomado juízo e doado as velharias para a igreja ou a algum morador de rua. Se ela tivesse feito isso, nessa hora o anel já estaria circulando por aí e as chances de encontra-lo se reduziriam bastante. Mas conhecendo mamãe como eu conhecia, eu sabia que ela nunca se livraria do paletó de papai, e embora ele usasse roupas formais em algumas ocasiões, o paletó que usou no casamento não servia mais nele e por isso ficava bem guardado. Pelo menos eu esperava que sim.

Naquela noite eu não fui pra faculdade, fiquei em casa para descansar a cabeça e ficar com a minha filha, mas dei um jeito de ligar para casa e falar com minha mãe sem que minha tia visse. Ela atendeu e disse que estava com saudades, perguntou por Alice e pela Elda. Eu disse que também estava com saudades e que queria muito vê-la, se possível eu iria em breve. Ela ficou sem graça ao ouvir isso, disse que eu iria me aborrecer com papai, que talvez fosse melhor eu esperar até ela ter dinheiro para ir me visitar, mas eu frisei que não estava com raiva do papai e que estava com muitas saudades da cidade. Não menti, pois isso era verdade, mas não vou negar que a minha pressa se devia à ansiedade para encontrar o anel.

Quando tive tempo, fui cuidar do dinheiro e comprei a passagem pra casa dos meus pais para o próximo fim de semana. Embarquei na manhã de sábado para a minha cidade natal e cheguei lá por volta das treze horas. Como meu pai não estava, eu pus Alice para dormir no meu antigo quarto e fiquei conversando com mamãe. Notei que meu velho guarda-roupas já estava repleto de coisas sem uso, então olhei dentro dele para ver se o paletó de papai não tinha sido transferido para lá, mas não tinha. Depois disso meu pai chegou e o clima ficou um pouco estranho, sorte que outras pessoas apareceram e a casa ficou mais animada.

Poder ir ao quarto de meus pais sozinha e com tempo para procurar acabou sendo mais difícil do que eu imaginava. Só consegui entrar lá depois do almoço de domingo, depois de traçar um plano bem engenhoso. Eu disse à mamãe que iria experimentar uma roupa e entrei lá de forma natural, mas secretamente eu estava nervosa como se estivesse roubando algo, o coração estava aos pulos. Uma vez lá dentro, eu acendi a luz, fechei a porta e abri o guarda-roupas de mogno velho, tentando não fazer barulho. Liguei o ventilador de teto no nível máximo para abafar um possível ranger de portas, o que ajudou bastante. Foi com uma alegria imensa que descobri que o paletó de papai ainda estava lá, naquele mesmo lugar, cheirando a naftalina. E debaixo dele, tal como eu tinha colocado, estava o blazer do cara que eu fiquei naquela noite, há quase dois anos, também impregnado do cheiro característico.

A primeira coisa que fiz foi guardar o paletó de papai no lugar e fechar o guarda-roupas. Não iria correr riscos por ali. O do homem, pus na sacola do vestido que eu levei para experimentar e joguei pela janela. Depois era só ir lá fora e pegar. Fiquei feliz em constatar que eu ainda era engenhosa. Saí na sala usando o vestido, falando com mamãe sobre a chatice de ter perdido todas as minhas roupas depois da gravidez. Ela garantiu que eu estava mais bonita do que antes, mas mãe é mãe, eu não estava tão confiante quanto ela.

Para tirar o vestido, eu peguei minha roupa que tinha deixado sobre a cama de mamãe e entrei no outro quarto, trancando a porta. Me livrei daquele vestido apertado, vesti meu short confortável e saí para o quintal, levando Alice para brincar com um gatinho. Do lado de fora da casa, fui até onde tinha jogado a sacola e joguei para dentro do meu quarto, de forma que ficasse oculto para quem visse da porta. Senti alívio ao ver mais uma etapa vencida.

Quando estava arrumando minhas coisas para ir embora, mamãe pegou na sacola e quis saber o que tinha dentro. Senti meu coração disparar nesse momento. Sempre tive dificuldades para tecer uma explicação convincente para a presença daquela peça de roupa na minha vida e por isso sempre o escondi, mas naquele momento, mamãe estava abrindo a sacola para ver o conteúdo.

— Não abra isso, mãe — eu falei. — É de uma amiga e está bem sujo.

— E porque está aqui na sua cama, minha filha?

— É que eu passei na casa dela antes de ir para a rodoviária, não tive tempo de levar. É para emprestar a um rapaz que vai casar.

— Oh, pobrezinho — disse minha boa e antiquada mãe. — Lave isso antes de entregar, viu?

— Com certeza.

E antes que ela mudasse de ideias, eu pus a sacola no fundo da minha bolsa, separada das coisas de Alice por uma toalha. Não queria que aquela mistura de cheiros ruins empesteasse as roupas dela.

No ônibus, durantes as longas horas de viagem, a tentação de despejar a bolsa e olhar os bolsos do blazer era grande, mas estar com um rapaz ao lado e com Alice no colo me fez esperar.

A viagem demorou demais naquele dia, pois começou a chover e houve um acidente no caminho. Já eram mais de dez horas da noite quando consegui chegar na casa de tia Elda, ela estava preocupada e eu estava exausta, faminta e com os nervos em frangalhos. Viajar de ônibus com criança pequena, num dia de chuva, é uma das coisas mais cansativas que já tive a oportunidade de fazer. Alice demorou a dormir, pois tinha dormido boa parte da viagem e eu caí no colchão logo que tomei banho, sem tempo e nem cabeça para mais nada. Tia Elda ficou com ela para colocar para dormir depois.

Foi só na segunda-feira, depois do café da manhã, que eu pude despejar as sacolas em segurança e ver o que tinha no blazer. Meus dedos tremeram quando desfiz o nó apertado que eu mesma havia feito na sacola, e a peça de tecido preto encorpado caiu no chão. Ele não tinha bolsos externos, mas tinha internos e eram bem fundos. Um tecido diferente, também preto, forrava toda essa parte, deixando-o pesado e quente para usar. Enfiei a mão por um dos bolsos e só encontrei papeis amarelados, eram comprovantes de pagamento de um estabelecimento comercial. A hora impressa em um deles, já bastante desbotada, era de meia noite e meia. Havia outro papel pequeno que lembrava um papel de bala e mais nada.

Fui para o outro bolso. Nada, no primeiro momento. Eu ficava cada vez mais nervosa, tão nervosa que sentia vontade de chorar. Toda a minha esperança estava ali. Tentei mais uma vez e nada. Respirei fundo. E então, antes de me levantar e jogar no lixo aquela coisa nojenta, instintivamente adentrei a mão pelo primeiro bolso que olhei e uma coisa circular, de metal frio, esbarrou nos meus dedos. Como não consegui segura-lo e por estar a ponto de ter um ataque de nervos, virei o paletó para baixo e sacudi até que algo caiu no chão, fazendo um barulho característico de metal. Rodou, rodou e parou a poucos centímetros de mim. Nesse momento meu corpo relaxou e eu desatei a chorar, as lágrimas caíam sobre as minhas pernas cruzadas. Por sorte, Alice ainda estava dormindo.

Peguei o anel com cuidado, levando-o até perto dos olhos para vê-lo. De fato, não era algo que você olha e sente atração imediata, não tinha diamantes, nem nada do tipo. Era um círculo de ouro velho, de menos de meio centímetro de largura e cabia folgadamente no meu polegar, era espesso e tinha detalhes em toda a volta, inclusive nas bordas. Pesava umas boas gramas. Não achei nada demais nas inscrições, logo de cara, eu achei feio, inclusive. Só depois, ao analisar melhor, vi que parecia mesmo representar outras épocas, outras culturas e então ele se tornou mais interessante para mim.

Ouvi barulho do lado de fora e me levantei rapidamente. Chutei o blazer para debaixo da cama e coloquei o anel numa caixinha de remédio, que coloquei dentro da minha bolsa. Olhei pela janela e pela porta que saía na sala, mas não era ninguém. Eu estava nervosa demais por ter o fatídico anel em meu poder.

Naquele mesmo dia tia Elda quis saber porque eu andava tão ansiosa e então eu disse a ela que estava com vontade de procurar pelo pai de Alice, de saber quem era ele e de fazê-lo saber que tinha uma filha. Ela achou uma boa ideia, só quis saber como eu pretendia fazer isso se nem o nome dele eu sabia. Eu também não sabia o que teria que fazer, mas algo me dizia que tinha que ser logo.

Continua...

Insensatez (Em Andamento)Where stories live. Discover now