Capítulo 1: Uma Pequena Insensatez

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Setembro de 2013, dia do meu aniversário de 22 anos.


— Olha mãe, olha! Eu ganhei, eu ganhei! Não estou acreditando. Não tô acreditando! No dia do meu aniversário!

Eu entrei na cozinha correndo e gritando, mamãe deixou o que fazia na pia e veio me encontrar enxugando as mãos.

— Ester, pare de gritar. O que você ganhou? Sabe que seu pai não aprova jogo nessa casa.

— Mãe, não é jogo, é uma viagem. Uma viagem com tudo pago, não é o máximo? Três dias no Rio de Janeiro, na praia. E olha só a coincidência, é um presente de aniversário.

Mamãe era tão baixa quanto eu, mas com vários quilos a mais e sempre trabalhou em casa e cuidou de mim. Nunca saía, era sempre submissa ao que meu pai dizia e por isso, quando eu falei em viagem, ela entristeceu.

— Seu pai não vai gostar nada disso, Ester. Como foi que você ganhou uma viagem?

— Mãe, lembra da promoção do supermercado? Eu preenchi os cupons, um montão deles. Eu senti que estava com sorte.

— Não sei, não...

Não de deixei abater pela falta de entusiasmo de mamãe, mas me aborreci muito quando meu pai chegou e deixou claro que não me permitiria viajar. Praia, sozinha, sem necessidade, onde já se viu? Três dias fora de casa? Mas e os estudos? Feriado foi feito para descansar. Ele disse tudo isso e minha mãe o apoiou.

Era sempre assim. Não importava o que eu fizesse, não importava o que eu falasse, eles sempre vinham com aquela conversa de que enquanto eu estivesse na casa deles... Só que eles não me permitiam sair. Meu pai era pastor e minha mãe o maior bom exemplo da comunidade. E eu era a única filha. Sempre elogiada na igreja, mas motivo de chacota nos outros lugares, na escola, no bairro, depois na faculdade. Eu estudava durante o dia porque meu pai achava inadequado sair à noite. Aos vinte e dois anos eu era uma bobinha virgem que só tinha namorado conversando com o pai por perto, que nunca tinha ingerido bebida alcoólica e que nunca tinha mostrado as coxas.

Quando o supermercado começou a divulgar a promoção, eu comecei não só a sonhar com a viagem, como também garimpar todos os cupons que conseguisse e por isso aumentei minhas chances de ganhar e ganhei.

Se nas outras vezes que me impediram de sair eu entrei no quarto para chorar, naquele dia eu entrei no quarto para planejar. De forma alguma eu abriria mão daquela viagem. No dia seguinte, fui até o supermercado e tirei fotos para sair no jornal. Minha aventura estava apenas começando.

Ter saído no jornal, sido notícia na rádio e passado na televisão ajudou meus pais a tomarem uma decisão inédita: me deixarem sair sem eles e sem nenhum outro responsável por perto. Mas eles relutaram em concordar e apenas no último dia que eu tinha para confirmar o prêmio, eles aceitaram.

Então comecei a me preparar para a viagem. Minha mãe providenciou calças, sapatos, dinheiro e outras coisas práticas e eu, na calada da noite, providenciei biquínis e saltos altíssimos. Nos momentos que em que ficava sozinha, eu aproveitava para treinar com eles em casa, nunca tinha usado mais que cinco centímetros antes. Não contei a ninguém, mas nessa viagem eu pretendia aproveitar ao máximo e ter todas as experiências possíveis para uma moça de vinte e dois anos virgem e interiorana.

Por morar longe demais do aeroporto, tive que viajar antes da data marcada nas passagens e isso se mostrou providencial. Na casa de minha tia Elda, irmã mais moderna de mamãe e dona de um pequeno salão de beleza, eu pude me arrumar o quanto quis. Fiz sobrancelhas definitivas, coloquei unhas de gel sobre meus cotocos corroídos, escovei os cabelos e fiz mechas mais claras. Me senti uma diva. Também comprei roupas íntimas que nunca passariam no crivo de mamãe e três vestidinhos leves e indecentes, um preto, um branco e um vermelho. E então, numa bela e soturna madrugada, eu embarquei para o Rio de Janeiro, pronta para conquistar o mundo.

Insensatez (Em Andamento)Where stories live. Discover now