Capítulo 3: Miguel

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— Miguel, o carro está pronto — disse meu segurança, me ajudando com a mala. — Você ainda vai a algum lugar antes de pegarmos a rodovia?

— Deixe que eu leve isso, Sandro. Não, não temos mais o que fazer aqui.

— Não quer passar lá mais uma vez?

— Não. E não vamos mais falar sobre isso, esse assunto já me desgastou demais. No final, foi apenas um engano.

Sandro estava a meu serviço há apenas seis meses, mas já se considerava íntimo o suficiente para saber da minha vida. Ele acompanhou de perto minha caçada pela mulher que eu julgava ter sido contratada para me roubar e me conhecendo melhor do que ninguém, ele sabia que eu estava cansado e frustrado com os resultados.

Até então eu estava confiante de que tinha seguido a pista certa. Algumas imagens de uma câmera de rua, fornecidas por uma empresa de vigilância, e uma procura pelos hotéis me levaram a essa mulher e posteriormente, ao endereço dela. Antes disso eu vivi um período de degradação, de bebidas e drogas, que me exigiram um longo processo de recuperação até que eu pude superar aquilo tudo e seguir em frente. Muitas coisas aconteceram nesses quase dois anos.

Durante as várias horas de viagem de carro para voltar para casa, eu fui repassando as poucas lembranças que eu tinha daquele dia fatídico. O noivado desfeito. A traição do melhor amigo. A chacota de todos ao redor. Porque um homem traído é motivo de piada por anos e anos, mesmo entre os parentes e amigos. E toda a exposição.

Mas não era só isso. Existiam outros traidores, alguns deles dentro de casa. No inventário dos bens do meu pai, o valor de alguns objetos foi exposto e alguns olhos cresceram. Primos e tios distantes, que nunca estiveram na nossa casa, passaram a reivindicar supostos direitos. Era injusto, eles diziam, muito injusto que apenas papai tivesse ficado com as quinquilharias de vovô. Quinquilharias, era assim que eles chamavam. Mas o que eles não diziam era que apenas papai o apoiou em vida e não o tratou como louco e doente e por essa razão, quando vovô morreu, pôde ficar com sua velha caixa enferrujada cheia de coisas estranhas. Claro que riram dele na ocasião.

Meu avô era um português sonhador que gostava de contar histórias de sua terra e de seus antepassados. Tinha muitas propriedades no litoral do Rio de Janeiro e elas foram divididas entre os filhos após a sua morte. Sua caixinha não foi avaliada e ninguém, a não ser o meu pai, se interessou por ela. Porém, quinze anos depois, quando meu pai também faleceu, vítima de um enfarte fulminante, todos os seus pertences foram avaliados por exigência de minha madrasta e então veio ao conhecimento de todos o valor dos objetos que foram do vovô.

Por ser filho único, eu não tinha obrigação de dividir esses pertences com ninguém, nem mesmo com a última mulher do meu pai, mas a partir daí começou um inferno na minha vida. Começando pelas constantes visitas de parentes que vinham reclamar, passando pelas demandas judiciais de quem achava que tinha direitos sobre as coisas e chegando ao cúmulo de tentarem me roubar de várias formas. Nessa parte, em pelo menos uma ocasião, eles foram bem-sucedidos. Levaram minha peça mais importante, não só no ponto de vista financeiro, mas também afetivo, e quando eu pensava estar na pista certa para recuperá-la, voltei à estaca zero. E eu já estava cansado de tudo aquilo.

Da metade do caminho em diante, fui fazendo outros planos. Um homem não pode viver no passado, mas sim no presente e pensando no futuro. Eu ia cuidar de tudo relacionado à minha empresa, vender minha casa no litoral e partir para Portugal. Meu trabalho podia facilmente ser transferido para aquela parte do mundo e eu queria aproveitar essa liberdade.

— Sorte a sua essa mulher não ter dado o golpe da barriga em você, patrão. Tem mulher que faz isso quando o cara está vulnerável. — Sandro insistia em falar sobre a mulher.

— Se ela tivesse feito isso, teríamos tido notícias há muito mais tempo, Sandro. E com certeza iria passar bastante raiva, eu não facilito para quem tenta tirar dinheiro de mim.

— Tá certo.

Fiquei pensativo, lembrando de um detalhe.

— Se bem que ela tem uma menininha, primeiro disse que era babá, mas a menina falou mamãe.

— Ainda acha que ela está mentindo?

— Acho que não. Só desperdiçamos nosso tempo.

Ele concordou.

Ao chegarmos ao nosso destino, Sandro foi para a casa dele com meu carro e eu fiquei num hotel, há tempos eu preferia ficar em hotéis. No dia seguinte, iria começar a resolver as coisas para então viajar. Uma propriedade em Portugal, que pertencera à um ancestral e que estava à venda por um preço acessível, havia me chamado a atenção e era lá que eu pretendia me estabelecer de ali em diante.


Continua...

Insensatez (Em Andamento)Donde viven las historias. Descúbrelo ahora