você mentiu para mim

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Há muita cafeína no meu corpo. Papai dizia isso quando eu era mais novo e ainda não fumava. Se me visse agora, provavelmente diria que há muita nicotina e que se eu continuar assim, morrerei primeiro que ele. Eu não ficaria bravo, tampouco diria que é exagero dele. Papai sempre teve seu jeito de espalhar a verdade e, se ele pensa assim, quem sou eu para determinar como ele pensa? Claro que não concordo. A ideia de morrer assuta-me, às vezes. Mas não tenho medo. Há como sentir-se assustado com algo que não se tem medo? Acho que sim.

Levanto-me do sofá com uma lentidão que pouco surpreende-me. Decido que vou comer, nem que eu exploda. Acho que é a primeira vez que penso em algo do tipo. Quem diria, San, comer nem que exploda. Nem que exploda. Eu rio com meu comentário enquanto esquento tudo outra vez. Eu apaguei no sofá, nem sei por quanto tempo.

O gelo da rua invade a sala de estar. Fecho a janela apressado e bocejo. Como costumava fazer em casa, quando criança, sento-me de pernas cruzadas no chão e começo a checar se todos os potes estão na mesa baixa. Acho melhor eu me servir antes que a comida esfrie. Não quero que tudo fique que nem a minha vida; tão sem graça.

Meus dedos deslizam delicadamente pelo hashi, eu fecho os olhos por mais segundos do que pensei que faria e bocejo com alegria. Tudo que eu quero é arrancar a roupa e arremessar meu próprio corpo na cama, sonhar com qualquer coisa, acordar cansado outra vez, porém com a esperança de que estarei mais descansado do que antes. Respiro fundo, só quero comer e me sentir bem. E se minha companhia não está aqui, vou pôr Girlfriend in a coma para dançar só. Eu vou dançar só.

Levei mil anos para fazer esse kimchi, então será ele o primeiro a ser experimentado. Espero que esteja bom. Por favor, que esteja bom. Só preciso comer algo gostoso para me sentir bem e...

Que é isso? Quase madrugada e alguém acordado para atazanar minha cabeça? A campainha toca e o hashi despenca dos meus dedos. Meus olhos piscam, não sei se tiro a música ou corro para atender. Talvez tenha sido engano. Mas por que tocaram outra vez? Me forço a levantar e abrir a porta. Olho no olho mágico, a lente distorcendo a imagem do homem mais lindo que já vi na vida. Wooyoung. Pergunto-me que raios está fazendo na minha casa, quando havia desmarcado o nosso lance de hoje.

— Desculpa por ter vindo tão tarde... — é isso que diz quando abro a porta e encaro-o. Ele parece estar cansado, mas continua lindo. Queria não estar um pouco decepcionado. Quer dizer, eu deveria estar feliz por ele estar aqui.

— Ah, você por aqui... — resmungo. Estou desconfortável. Tipo, era para ele ter chegado antes. E por que não me avisou que chegaria tarde? Eu não teria ficado tão triste com isso. Eu juro que não ficaria.

— Sim... — ele curva os lábios num sorriso. Enfim noto sua gargantilha preta. Céus, isso é demais para eu suportar. — Posso entrar?

Você pode entrar onde você quiser, eu quero responder. Dou-lhe passagem e quando vejo-o entrar, sem querer noto que sua calça está apertada demais. Claro que Wooyoung vive de skinny, mas que raios de material é este que super valoriza onde não deveria valorizar? Recolho meus olhos antes que se torne óbvia a minha atenção. Engulo em seco e fecho a porta atrás de mim.

— Por que tudo está escuro e só velas iluminam a casa? — vejo seu rosto virar-se para mim, uma iluminação alaranjada afagando-lhe o rosto.

— Ah, é que...

Jung olha ao redor, claramente analisando tudo na casa. Ficamos em silêncio, a caixa de som ainda está tocando minha playlist e um suspiro é tudo que escuto vindo dele.

— Você mentiu para mim — me diz. — Você disse que não tinha feito nada.

— Eu meio que não queria te fazer sair de lá só porque eu tinha feito algumas coisinhas... — coço minha nuca, talvez nervoso com a situação ou com medo de Wooyoung ficar bravo comigo.

café et cigarettesWhere stories live. Discover now