você me deixa confuso demais

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É isto. Jung é um ser humano líquido. Eu gostaria de dizê-lo, se permitir, que deixe-me explicar o porquê desta afirmativa. Convicto disso, mordo o lábio inferior, mordendo-me por dentro, mantendo presas as palavras que estão cansadas demais e amedrontadas demais para sair. Sei que nenhuma delas suprirá o apego emocional, a lambada de confusão, o circo de decepção. Mas ele é líquido e pronto. Também sou; sei, reconheço, me transpareço, sou vidro. Mas ao lado dele, sou opaco.

Das rajadas de vento que me chacoalham, nenhuma destas mexem tanto comigo quanto este a quem pertence o meu coração. Minha mente tateia quaisquer que sejam as lembranças de que ele demonstrara posse sobre mim. Remexendo os arquivos, compreendo os momentos que me obrigara a comer. É que ele diz que gosta de mim. Mas a questão nunca foi me impedir de sair com quem eu quisesse. Nunca foi isso.

— Ai, Wooyoung... Você me deixa confuso demais — bagunço o cabelo da nuca, balanço-me para ajeitar a manga do casaco.

— Por que te deixaria confuso? Eles apareceram antes de eu te convidar à ir pra minha casa — conta-me, abrindo a porta com pressa. Sinto que isso é mentira.

— Por que você me afasta e depois me puxa de volta? — pergunto com cuidado, engolindo em seco, esquivando dos palavrões que brotam na mente, que meu corretor mental sugere. Não quero usá-los por ora.

— O que eu fiz, San? — Wooyoung praticamente me empurra para dentro do carro cheiroso dele. Sento no banco, esperando que ele bata a porta na minha cara, porque sei bem que é o tipo de coisa que ele faz quando está bravo.

— Sei lá, você foi meio desnecessário — eu espero que isso não piore a situação, justo agora que estou sem vergonha na cara para ser um pouco
sincero com ele.

— Ah, então sai do meu carro — segura-me pelo braço e me puxa para fora do automóvel. — Vê se você alcança Seonghwa por aí. E aquele amiguinho dele também.

— Quê? O Mingi? — abro um sorriso irônico, justamente para tirá-lo do sério.

Eu acho engraçado o fato de ele me pegar, me enlaçar, mexer comigo e ainda chamar-me de amigo. Somos apenas amigos? Eu quero essa resposta o mais rápido possível, não posso passar mais um dia sem isso. Sei lá, me sinto impotente ao lado dele, segurando a plaquinha da amizade, sendo admirador e não admirado. Vez ou outra Wooyoung me machuca. Esse é um destes momentos.

— Qualquer que seja o nome dele, eu não ligo muito. Sabe, San, o modo como ele ficou com você... Está claro que ele tem segundas intenções — ele apóia o corpo na porta do banco do passageiro e me olha com atenção. Eu não sei bem o que dizer se não puder usar um palavrão.

— Que porra é essa, Wooyoung? — eu dou um passo para trás. — Mingi sempre foi assim, todo biscoiteiro, beijoqueiro e a zorra toda. Ele está brincando. Você não deveria julgar alguém que não conhece.

— Alô, Choi San? — minha espinha esfria ao escutá-lo dizer o meu nome completo. — Qual a parte do "vamos acordar pelados numa cama" você não entendeu?

— Ah, pronto! — rio um pouco, cruzo os braços. — Eu não tenho interesse no Mingi, se é o que você quer saber.

Por incrível que pareça, consigo deixá-lo sem palavras, quieto, apenas fitando-me como se eu ainda não tivesse concluído a oração. Sento-me de volta no banco do carona, puxo a porta com cuidado, logo após ele afastar-se dela. Pressionando o botão, desço a janela com pressa.

— É só você quem amo.

E, bem, acho que isso é o suficiente. Suficiente para deixá-lo na dele por enquanto, grudado nos pensamentos. Eu só disse aquilo, mas a vontade é de dizer que não me enche os olhos ninguém que não seja ele. Mas eu não quero apelar. Não ainda.

Às vezes, quando estamos em silêncio e ele está bravinho, como agora, dirigindo em silêncio, eu gosto de me perguntar porque é que existe tantas
barreiras entre nós quando, de fato, não há nada de mais em amar demais. Eu não ligo para mais nada, só queria saber por que é que ele é tão complicado, problemático e eu, avoado de paixão, me deixei levar. Eu não quero cobrá-lo amor, só não quero que ele me cobre o que nunca cogitei em cobrá-lo.

— Posso ligar o som, pelo menos? — pergunto, virando o rosto para a sua direção, sentindo o vento estapear-me a maçã do rosto.

— Eu nunca te proibi — ele ajeita o cinto de segurança e eu ligo o bluetooth do aparelho.

— Não precisa ser grosso comigo só porque ficou com ciúmes — resmungo ao tirar meu celular do bolso.

Wooyoung freia bruscamente e me assusta dessa maneira. Levantando o olhar, constato que talvez ele não tenha visto que o sinal estava vermelho ou fez isso de propósito para me dar uma lição por falar demais. É, eu não deveria ter citado ciúmes. Era para eu ter ficado quieto. Às vezes esqueço do seu orgulho.

— Vou te deixar em casa — anuncia, segurando o voltante com as mãos firmes, não desviando os olhos da Mitsubishi parada logo à frente.

— Eu não estou bravo com você nem nada — digo, após engolir em seco. — Tudo bem se você quiser me levar para sua casa. Só não quero que você fique com essa cara. Tipo... Ah, sei lá. Você sabe que pode contar qualquer coisa para mim e... Eu realmente espero que sejamos honestos um com outro.

Finalmente Wooyoung me olha e eu confesso que ele é ainda mais bonito com a luz vermelha encharcando seu rosto de fótons.

— Quando estávamos em Paris — continuo. — Naquela festinha... Sabe, quando eu fui embora... Eu fiquei muito triste e obviamente fiquei com
ciúmes de te ver com outro cara. E quando estávamos no quarto e aquele loiro veio te buscar...Você sabe que eu sou sensível e essas coisas me machucam um pouco. Eu estou te contando isso porque eu não tenho medo de você me julgar por isso. Então não vou te julgar se você sentiu ciúmes quando Mingi se aproximou e me tocou. Mesmo que sejamos apenas amigos. Eu e você.

Mas ele nada diz. O verde apresenta se como cor do momento, todos os carros aceleram, meu amor desvia os olhos do meu e pisa no acelerador. Acho que ele está com dificuldades de admitir para si mesmo, acho que ele não quer gostar de mim... Não sei se caio fora ou vale à pena tentar. Queria que tudo fosse fácil de se compreender. Queria que Jung gostasse só mais um tantinho de mim.

— Vou te levar para minha casa, então.

café et cigarettesWhere stories live. Discover now