você tem formigas na calça?

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Começou a sonolência. Nem deu três da tarde. Sentado à varanda, pernas cruzadas e vento surrupiando as vestes leves e finas, sinto a ardência do sol na minha pele. Poucos carros passam pela frente, porém todos lustram e cheiram a dinheiro. Eu não gosto disso, me sinto um alienígena. Sou de outro planeta. Tusso algumas vezes, bebi o chá com pressa demais. Wooyoung me observa por detrás do grau das lentes redondas e ajeita a minha franja que remendou-se ao vento e quis fazer-lhe companhia. Suas pernas jogadas sobre minhas coxas, não estamos fazendo nada senão bebendo chá gelado e olhando quão lindo tudo fica às duas e meia da tarde. Quão lindo Jung fica em qualquer horário.

Se este não foi o melhor final de semana da minha vida, não sei qual outro pôde superar isso. Encosto a cabeça em seu ombro e um de seus braços enrolam-me os ombros. Assim que deixa o copo na mesinha ao lado do banco, seus dedos livres fazem-me carinho na nuca e eu sinto como se estivesse me pondo para dormir desse jeito. Ergo o queixo e lhe encaro por alguns segundos. Noto cada tracinho do seu rosto, quão delicado e detalhado lhe foi ofertado como feições e quão amável ele é. Sua mãozinha me fazendo carinho na cabeça, pois sabe que gosto e me arrepia. Puxa os fios para trás, tenta enrolar e até coça delicadamente do jeito que sinto até nos dedos dos pés.

— Sabe o que pensei agora? — pergunta-me do nada, no exato segundo em que me estico para lhe roubar um beijo rápido antes que alguém passe e nos pegue no flagra. — Que acha de um piquenique no Han?

No Han? Sério, no Han? Sei que é romântico e tudo mais, mas o Han já saturou para mim. Penso até em pedir para que mude um pouco os planos, mas só em imaginar nós dois de mãos dadas andando às margens do rio e sentando e comendo e conversando e escutando canções sobre amor e nos beijando debaixo de uma árvore me desperta para quão incrível essa oportunidade pode ser. Então sorrio para ele e concordo com a cabeça.

Mas por que mesmo eu concordei? Estávamos muito bem jogados no banco, um sobre o outro, sentindo o solzin nos abençoar como perfeitos e verdadeiros amantes. Lembro-me da promessa da Torre, que mandaria um twitter ao Cristo e à Estátua da Liberdade para que nos abençoe também. Me lembro sim. Mas... Oh, que saudades de Paris e suas ruas únicas. Saudade de olhar as butiques, as padarias, o cheirinho de flor e culinária única e espetacular. Saudades de andar de mãos dadas com ele por lá, quando não tinha nenhuma cabeça dura, extremamente arcaica a nos julgar por beijos em público e demonstrações de carinho. Deveríamos ter ficado por lá, não?

Lá, pelo menos, eu não tinha que ficar fazendo sanduíches com atum e azeitona preta para um mero piquenique no Han. Quer dizer, eu sei quão isso pode ser legal, mas não estou com a mínima vontade de comer e nem tem uma hora e meia que almoçamos. Qual a necessidade de levar mais comida? Ele ainda está preparando gimbap — este homem não tem limite?

— Você vai comer só — aviso de antemão, fechando o quinto sanduíche que ele me pediu para fazer e enfiando-o, assim como os outros, dentro da vasilha. — Sabe que não como tanto e fica fazendo isso.

— Deixa disso, San! — me dá uma empurrada com o quadril e eu olho para o lado. — Você sabia que tem ficado mais cheinho desde que passei a te forçar a comer?

— Bom saber que reconhece que me força a comer — faço uma careta e guardo a vasilha com os sanduíches na cesta de piquenique e pego as laranjas que ele comentou para que eu descascasse e cortasse ao meio. — Você está sendo muito abusivo. Só porque estou deixando você cuidar de mim do seu jeito, acha que pode me forçar a fazer exatamente tudo que quer que eu faça.

— E é mentira? — aproxima-se de mim. — Você é meu.

Morde-me o braço nu e eu cambaleio para o lado, diante da surpresa. Vermelho, como uma tatuagem dos seus dentes na minha pele. Encaro-o com uma falsa raiva, ele que ri todo infantil pelo que fez e sussurra um pedido de desculpas impossível de se acreditar.

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