31.3 | ou ❝tragédia não-ensaiada❞

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Quatro cenas antecediam a primeira vez que Lucas e eu estaríamos juntos no palco. Se o público tinha opiniões negativas sobre Lucas Avelar interpretando o Romeu, ou sobre uma garota interpretando Mercúcio, ninguém se manifestou. O silêncio sepulcral na plateia era aterrador. Eu não sabia se a peça estava sendo um tremendo desastre, ou um sucesso histórico.

Ava enunciava o famoso monólogo de Mercúcio. Era uma fala complicada, longa e cheia de períodos que não estavam em dia com a lógica, mas ela corria por eles tranquilamente, como se as palavras fossem dela mesma. Lucas estava em cena com ela, se esforçando para não parecer péssimo diante daquela demonstração de talento e profissionalismo.

— Estou falando de sonhos, que nascem de cabeças ociosas e são inútil fantasia, tão tênues quanto o ar, tão inconstantes quanto o vento, que ora sopra gelado no norte, ora se desfaz em brisas amenas no sul. — falou Ava, e Andressa fez a chamada para que todos nós, que participaríamos da cena do baile, colocássemos as máscaras.

Eu não estava nervosa pelo público, ou pela responsabilidade que eu tinha com o trabalho do Zaca. A razão pela qual eu estava tremendo era a perspectiva de cruzar meu olhar com Lucas na frente de todos. Havia um motivo pelo qual eu o estava evitando.

Estava preparada para ir até o palco e fazer o que eu tinha ensaiado, mas não para dar de cara com tudo que eu fizera questão de esconder nos últimos meses.

O fim da cena chegou, e Lucas correu para a coxia. Agarrou sua máscara que estava a poucos passos de mim, e sem me dirigir o olhar, comentou:

— Você parece apreensiva.

— Eu estou com medo. — admiti quase em um sussurro.

— Do quê?

A segunda chamada para o palco foi dada. Só teríamos mais uma, e minhas mãos suavam. Cada fibra do meu ser se esforçava para conter a verdade que precisava sair, ou eu não conseguiria subir naquele palco com Lucas.

— Eu tenho medo de que todos possam ver o que você já viu há tempos, Lucas.

Gostar de alguém é complicado. Principalmente quando você gosta de duas pessoas ao mesmo tempo. Podem achar que eu era só uma adolescente confusa que não consegue escolher entre os dois irmãos que parecem bom demais para serem de verdade, mas não é assim.

Eu tentei lutar contra isso.

Eu perdi.

Não adiantava mais eu tentar ignorar o que eu sentia por Lucas. Eu teria me poupado de muitos problemas, desde o começo, se eu apenas fosse capaz de admitir isso.

Eu tinha punido Lucas por fazer comigo o que eu também fazia com ele: usá-lo como uma espécie de vida paralela. Quando estávamos juntos, Lucas não era obrigado a ser o herdeiro das Empresas Avelar, astro do futebol e namorado da garota mais popular da cidade. E eu não era a garota com uma tragédia da mala.

Só enxerguei isso quando eu parei de mentir para ele também.

E por isso eu o tinha beijado de volta na enseada.

Porque Lucas e eu somos tão compatíveis até em nossos erros.

— Ela ensina a tocha a brilhar! — bradava Lucas, e eu podia sentir seus olhos em mim, a despeito da plateia de trezentas pessoas. — Meus olhos desmentem, se amei outra um dia: não tinha visto a verdadeira beleza.

Eu caminhei em sua direção, como tantas vezes ensaiado.

— Se com minha mão pecadora eu tocar e profanar sua mão sagrada, aceito a penitência: então meus lábios, dois humildes peregrinos, hão de apagar com um terno beijo o pecado de minha mão. — fez ele, e eu repeti mecanicamente o texto da Julieta, sem prestar atenção em uma sequer palavra.

Lábios. Beijo. Mãos.

Olhos.

Ele me beija.

— Seus lábios absolveram os meus do pecado.

— Mas agora o pecado passou dos seus lábios aos meus.

— Dos meus lábios aos seus? Para doce pecado, amável penitência: devolva-o aos meus.

Ele me beija de novo. O muro que eu ergui para mantê-lo longe desabou.

Eu estava apaixonada por Lucas Avelar.

— Você beija como um cavalheiro. — murmurei, apenas para ele, me esquecendo do mundo ao nosso redor.

Onde Há FumaçaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora