16.1 | ou ❝o jogo❞

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Eu tinha aversão particular a uma das disciplinas da minha grade curricular. Aulas de Química eram uma espécie de tortura desenhada especialmente para mim.

O professor, Sr. Kruguer ou Kroguer ou Kreguer, qualquer que fosse seu nome, estava separando a sala em pares para a realização de uma das atividades propostas. Eu não estava nem aí para quem seria o meu parceiro, pois as chances de sucesso da dupla estavam totalmente prejudicas pela minha presença.

Distraída, eu rabiscava no tampo da mesa a letra de uma música que Nicholas escreveu anos atrás, e só cantou para mim uma vez. Mas eu me lembrava da canção completa.

Fui desperta de meu devaneio pela voz rabugenta do Sr. K.

— Então, esses serão os parceiros desse trabalho. — proferiu ele, parecendo um tanto insatisfeito, folheando os papéis em suas mãos. Como se não fosse ele mesmo quem organizasse todo o sistema laboratorial. Não demorou muito e eu descobri o motivo da aparente insatisfação do Sr. K: a minha existência. — Ah, me desculpe, Valéria, mas acho que você é a única que ficou sozinha esse ano.

Então, eu teria que fazer todos os meus trabalhos de Química completamente sozinha até o final do ano? Pesadelo.

Eu podia apenas trocar de turma e cursar Química com outro professor. Não é como se fosse partir meu coração não poder fazer parte da magnífica aula de Química do Sr. Décima Primeira Letra do Alfabeto.

Mas eu não podia simplesmente pôr a mochila nas costas e sair.

Porque ele fez o favor de aparecer.

— Ela não está sozinha.

Lucas atravessou o batente da porta do laboratório, acenou com a cabeça cumprimentando o professor e caminhou até mim, sentando-se ao meu lado. Mesmo assim, não me olhou nos olhos, nenhuma vez.

— Ah, obrigado. Agora minha turma está completa. — falou o Sr. Kruguer ou Kroguer ou Kreguer, prosseguindo com as instruções, todo feliz com um problema a menos.

— O que você está fazendo aqui? — perguntei entre dentes e abaixando a cabeça. Antes que ele pudesse responder, eu notei alguma coisa de diferente em Lucas.

Talvez porque ele não estivesse me pedindo desculpas incessantemente. Ou talvez era o gel em seu cabelo, os sapatos lustrosos e o relógio caro em seu pulso. Definitivamente, aquela expressão confiante não pertencia a Lucas.

Natan Avelar não me respondeu imediatamente, apenas entortou um sorriso com os cantos dos lábios, divertindo-se.

Você trocou de lugar com o seu irmão gêmeo? — falei, incrédula. A expressão de Natan entregou um abalo em sua confiança delirante. Ele não gostou quando eu percebi tão rápido. Vai ver, queria brincar um pouco comigo antes de me dizer quem era.

— Preste atenção na aula, Corrêa. — devolveu Natan, em tom de repreensão. O Sr. K me lançou um olhar severo, como se eu me atrevesse a arruinar sua aula pela segunda vez no mesmo dia. A primeira, por ser um ímpar, e a segunda, por ralhar com Lucas/Natan Avelar por tornar par a minha imparidade.

Permaneci em absoluto silêncio até o final da aula, aterrorizada com a possibilidade de que alguém o descobrisse e eu me metesse em problemas.

Ao final da aula, enquanto devolvíamos o material para as prateleiras e limpávamos nossas mesas, peguei Natan sorrindo para mim.

— Não vai me dizer o que está fazendo aqui?

— Eu estava terrivelmente entediado. — respondeu ele, displicentemente, apenas erguendo uma sobrancelha em descaso — Minha escola está de recesso.

— Por que você escolheria passar seu tempo livre da escola em outra escola?

— Ouvi dizer que aqui tinha essa garota, vinda do interior. — insinuou ele, e eu senti minhas bochechas queimarem. No fundo, eu sabia que não tinha nada de especial no que ele tinha acabado de dizer, e pelas minhas contas rápidas ele já deveria ter usado essa jogada com garotas umas trezentas vezes, só no último ano.

Mas ele era magnético. E meu coração era de ferro, graças a Lucas.

— Boa tentativa. — soltei, embasbacada.

— Ah, por favor, Corrêa. Essas nossas conversinhas já foram bem mais animadas. Você pode fazer melhor do que isso. — provocou ele — Vamos lá. Tire-me do sério.

E ergueu as sobrancelhas sugestivamente na minha direção. Não era possível que aquele garoto estivesse fazendo todo aquele esforço só para passar mais tempo comigo.

Para o meu próprio bem, escolhi não me preocupar com aquilo, e colocar Natan Avelar na minha gaveta mental de Coisas Que Nunca Serei Capaz de Desvendar.

Quando coloquei a mochila nos ombros para ir embora, ouvi Natan gritar entre risadinhas:

— Até o jogo, Corrêa!

Onde Há FumaçaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora