07.1 | ou ❝mentir ou omitir, porém mentir❞

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Graças ao Zaca, eu tinha um plano: fingir que eu não tinha descoberto as mentiras de Lucas Avelar, e esperar pela oportunidade perfeita para pegá-lo no flagra.

Ainda que meus instintos me dissessem para estraçalhar a garganta daquele estúpido loroteiro, para que ele jamais pudesse contar uma mentira de novo.

Eu estava ansiosa para desmascará-lo, mas queria arrancar um pouquinho de diversão da situação, reverter a minha posição de otária.

Eu podia fazer isso.

Afinal, não havia uma garota que entendesse mais de mentiras do que eu.

Com Zaca de volta em casa, eu não tinha mais desculpas para fugir da escola. Por ironia do destino, eu tinha uma eletiva de Fotografia como primeira aula, com um professor que cheira a loção pós-barba barata e o duas-caras do Avelar.

Lucas, não Natan.

Ele estava atrasado. Esperei por ele fantasiando minha vingança, criando imagens dele pendurado pelos pés em alguma das fiações de rede elétrica de Vitória.

Lucas chegou vinte minutos após o início da aula, no limite da tolerância. Estava com as bochechas coradas e o cabelo suado. Havia corrido para chegar a tempo.

Constatei que saber que ele era um mentiroso não tinha mitigado nem um pouco a atração que eu sentia por ele. Seus olhos azuis me encontraram, e meu estômago despencou.

— Desculpe o atraso, professor. — falou Lucas, pedindo licença ao Sr. Boulé, nosso professor francês, fedorento e irritante.

— Boe maneirra de começar su nova grrade, monsieur Avelarr: mostrando colegas o que no se deve fazerr.

Tive que engolir o riso, cruelmente satisfeita por assistir alguém sendo malvado com Lucas.

Ele atravessou a classe para sentar-se ao meu lado, no fundão. Jogou a mochila sobre a mesa, tirou o cabelo dos olhos, gesto que agora só me fazia pensar em seu irmão gêmeo, e se virou para mim.

— Fico feliz que tenha voltado para a escola, Val. — ele murmurou. Ator.

Eu precisei me mudar para outro Estado para que não descobrissem as minhas mentiras, e Lucas tinha conseguido esconder sua verdadeira identidade de mim por meses. Eu tinha muito a aprender com ele.

Meu sangue ferveu. Eu ainda não conseguia acreditar.

— Oi. — foi o que consegui responder, secamente, sob o olhar ameaçador do Sr. Boulé.

— Você não parece feliz em me ver.

Temi que meus olhos faiscassem e delatassem o que eu realmente sentia ao vê-lo.

— Sabe como é. — eu me embaralhei, fazendo um esforço — Dias e dias no hospital. É bom conversar com alguém que não esteja vestido de branco. — e me atrapalhei mais ainda ao perceber que Lucas estava vestido de branco, também, porque estava usando o uniforme da escola — Esquece.

Lucas riu da minha confusão, o babaca.

— Como está o Zaca, a propósito?

— Shhh. — fez o Sr. Boulé, franzindo o cenho para nós. O professor estava nos fitando com a cara que o meu pai costumava fazer quando eu levava meninos em casa.

Eu murmurei um "desculpe" e Lucas ergueu as duas mãos para cima, como quem se desculpa também.

Abaixei a cabeça e fiquei olhando para o meu caderno, mas Lucas ainda me fitava, esperando uma resposta.

— Está em casa, repousando. — murmurei entredentes — Deve voltar para a escola semana que vem.

— Excelente! — Lucas fez em resposta, me lembrando de Lorena. Ele não estava contribuindo nem um pouco para a administração da minha raiva.

Ficamos em silêncio, assistindo à aula expositiva do professor. Quando eu me distraía, imaginava uma cratera se abrindo no chão e Lucas caindo direto nos braços de Hades.

— Então, o que você vai fazer no final de semana? — perguntei, usando meu tom de voz mais inocente e tentando implicar o menor flerte possível às minhas palavras.

— Isso é uma pergunta, ou um convite? — Lucas piscou para mim de maneira irresistível, e senti pena de Lorena.

Ela era uma garota linda e gentil. Não merecia que seu namorado saísse flertando por aí com a nova garota da cidade. Principalmente garotas com quem o namorado já tivera experiências românticas de veraneio. Eu me esforçaria para que, quando desmascarasse Lucas, deixasse Lorena Dante fora de toda aquela história.

— Tenho um compromisso no Aquário. — ele explicou, e sua voz vacilou. Ele estaria mentindo? Não só sobre esse fim de semana, mas sobre todos os outros?

Só porque ele era um mentiroso, não significava que ele mentia sobre tudo.

— Uma grande exposição do aquário... do outro lado da Ilha. — ele continuou — Eu te convidaria, mas a mataria de tédio.

Agora eu sabia que ele estava mentindo.

— Além do mais, você vai ter a oportunidade de ver a exposição. É a mesma que vou trazer para a Mostra Científica na sexta-feira. — explicou Lucas, usando um argumento que me convenceria; Zaca estava na organização da Mostra e só falava dela nos últimos meses.

A droga da Exposição de Ciências Biológicas e a Mostra Científica que a escola estava organizando, com a qual absolutamente ninguém se importava, exceto Zaca, Andressa e agora Lucas.

— Você sabe que eu não iria mesmo. — eu o tranquilizei — Esse é o tipo de convite que se faz a um nerd como Zaca, não a mim.

— Você está certa. Chatice biológica é só pra aberrações como Zaca e eu.

Eu mal tive tempo para olhá-lo com desprezo e já caí na gargalhada. Eu o detestava por me fazer rir. Odiava o quanto eu ainda gostava dele.

O som estridente do meu riso nos concedeu uma extensa bronca por parte do Sr. Boulé.

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