28.2 | ou ❝e foi assim que conheci ava❞

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A garota do chapéu de corvo – que não o estava vestindo naquele dia – tinha traços finos e sobrancelhas bem desenhadas. Estava de peruca cor-de-rosa, experimentando um vestido preto muito legal, bem melhor do que tudo que eu tinha escolhido.

Após lançar um olhar a Zaca sob aquelas sobrancelhas escuras, ela enfiou uma camiseta de banda toda surrada, mas de um jeito maneiro, por cima do vestido e continuou se olhando no espelho.

— O vocalista dessa banda jogou essa camisa em mim no show que eu fui. — revelou ela — Desde então eu só compro roupas que combinem com ela.

Eu achei que estava apaixonada, mas isso foi antes de ver a cara do Zaca. Ele estava praticamente babando.

— Esse vestido é para o baile de formatura? — perguntei.

— É, aquela droga. — falou a garota, entediada — Eu sou da equipe que organiza o baile. Não posso não ir.

— Não vai usar seu inigualável chapéu de corvo? — provocou Zaca, brincalhão. A garota corou violentamente, mas sorriu como se tivesse achado graça naquela fala. Seria... interesse? Anotei o fato mentalmente para que pudesse comentar com Zaca quando estivéssemos sozinhos.

— É que eu raspei a cabeça no final de semana e ficou péssimo, então comprei zilhões dessas coisas. — e apontou para a peruca. Logo depois, ela se apresentou: — Eu sou Ava.

— Muito prazer, Ava. — estendi a mão para cumprimentá-la, empolgada em fazer amizade com uma pessoa que não liga para moda e prefere morrer a ir a bailes escolares — Eu sou Valéria, e esse é...

— Zacarias Eifler. — completou Ava antes de mim, e deu de ombros ao notas nossas expressões, confusas por motivos diferentes — Eu sou fã da sua coluna no jornal da escola.

Zaca parecia estar à beira de uma síncope, e francamente, eu também. Ninguém, absolutamente ninguém, se importava com os artigos de opinião de Zaca sobre videogames e quadrinhos. Ou era o que pensávamos.

— Você está na peça também, não é? — mudei de assunto antes que ele tivesse uma parada cardíaca, ou pior, começasse a falar sobre quadrinhos — Cuidando do figurino?

— Eu esqueci de me inscrever para atuar. — ela deu uma piscadinha, recitando impecavelmente uma das falas que eu tinha tanta dificuldade em memorizar. Zaca e eu ficamos boquiabertos. Ela explicou: — Meu nome é Adriana. Ava é artístico, assumi na Academia de Belas Artes da Vitória.

Zaca e eu tivemos a mesma ideia ao mesmo tempo.

— Então, Ava, não sei se você sabe...

— Só se você topar...

— Sei que acabamos de te conhecer, mas...

— Não tem substituta para a Julieta na peça. — ela completou por nós, e eu já senti toda a responsabilidade se erguendo dos meus ombros. Uma substituta me livraria do fardo de ensaiar com o Mário Ney, que também precisava de alguém para passar as falas.

— Nós ficaríamos honrados se você cogitasse assumir. — Zaca falou, todo pomposo.

— Andressa Dante vai querer uma Julieta careca na peça dela? — debochou Ava, imitando o modo como Andressa tocava no cabelo. — Duvido.

— Ela tem razão, Zaca, vai ficar feio aos olhos de todos. — acompanhei a piada. Falar mal de Andressa era meu passatempo favorito, e eu finalmente tinha companhia.

— Na verdade, isso levaria Romeu e Julieta a um outro nível, transcendendo aos padrões ocidentais contemporâneos de beleza. E a peça não é da Andressa, é de todos os alunos do último ano. Ava está no último ano, não está? — ele ajustou os óculos na ponte do nariz, soando tão nerd quanto poderia enquanto Ava confirmava que era uma veterana — E, de todo modo, seria apenas na remota hipótese de Valéria não poder se apresentar. Você é boa, eu ainda prefiro torturar a minha irmã postiça.

Os olhos de Ava brilharam.

— Eu não sei... — murmurou ela, nada convincente, ajeitando a alça do vestido. — Não sei se estou a fim de enfrentar a fúria da Miss Leonardo da Vinci.

O modo como ela debochava de Andressa a cada vinte segundos era mágico para mim.

— É só um papel substituto. Vai te dar créditos para sua faculdade de arte. Eu me entendo com a Andressa.

— Bom, talvez eu possa usar uma peruca... que se pareça mais com o cabelo dela — concordou Ava, apontando para os meus cachos. Antes que ela mudasse de ideia, tirei da mochila a minha cópia do roteiro.

— Aqui. — falei após anotar meu número de celular nos papéis— Me liga amanhã para saber o horário do ensaio.

Ela concordou com um aceno de cabeça e se despediu. Eu podia jurar que estava rolando um clima entre os dois, mas, no fundo, eu sabia que era apenas o meu desejo de que a vida amorosa dele não se resumisse a uma insensível como a Andressa.

Resolvi esquecer esse anseio, afinal, eu já tinha meus próprios problemas para me enlouquecer.

Onde Há FumaçaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora