02.1 | ou ❝essa é a nossa cidade❞

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— Achei que José estava mentindo sobre você ter se mudado para cá. — Lucas falou, dentro do nosso abraço, enquanto eu parecia ter engolido a minha língua.

Tanto havia mudado desde o último verão, e os olhos muito azuis de Lucas Avelar não mais refletiam a garota que eu tinha sido antes do incêndio.

Eu não queria que ele me olhasse como se estivesse procurando por ela.

Naquelas férias, eu tinha sido a garota que gostava de experimentar comidas diferentes, aprender sobre fotografia com a câmera de Lucas, e visitar o Aquário para encontrar meu novo amigo. Era a garota que fazia novos amigos. Que achava o garoto que tinha conhecido no Aquário um tremendo gato.

Eu não sabia se conseguiria ser assim de novo.

— É... ah... — fiz eu, pateticamente.

— Eu não ganho nem um olá? — ele me abriu um sorriso e deu um soquinho amigável no meu antebraço.

— Olá.

Eu espiei por cima do ombro de Lucas, distraída com os adolescentes se aglomerando para nos observar. Garotas cochichavam nos ouvidos umas das outras, garotos apontavam descaradamente.

Deviam estar comentando que o fracassado que alimenta tartarugas e anda em uma caminhonete mais velha que o continente agora tinha uma companhia na Escola dos Ricos.

— Lucas, sem querer ofender, mas você atrai olhares demais.

Lucas levou uma das mãos à nuca, passando-a pelos cabelos bagunçados. Ele me olhava como se me pedisse desculpas por arruinar a minha vida social nos primeiros cinco minutos na minha nova escola.

Como se eu estivesse interessada em uma vida social.

— Se você se importa com o que as pessoas pensam, você não vai durar muito nessa escola. — ele respondeu — Ou nessa cidade.

Eu olhei à minha volta. Todos pareciam tão... polidos. Como se estivessem prontos para uma festa para a qual eu não tinha sido convidada.

— Quando você chegou?

— Semana passada.

— Você vai ter que me contar que história é essa de se mudar para Vitória. — Lucas soltou uma risadinha abafada — Você odeia esse lugar.

Eu encarei o rosto dele. Bonito. Muito bonito.

Eu tinha me esquecido do quanto.

— Não me lembro de você ser do tipo que faz tantas perguntas. — falei aos gaguejos.

Malditos hormônios.

Lucas franziu o cenho, e toda a leveza de sua expressão se foi.

— Só para eu me certificar de que estamos na mesma página, eu fiz alguma coisa errada? — ele perguntou, encolhendo os ombros.

— O quê? Não!

— Você nem olhou para mim direito.

Exceto pelos últimos trinta segundos de secada descarada, ele quis dizer.

— Eu só estou um pouco sobrecarregada. — indiquei algumas garotas à minha direita com a cabeça — Quer dizer, olha para essas pessoas.

Quatro meninas que poderiam ser irmãs de tão idênticas estavam paradas sob o sol do estacionamento, tirando fotos umas das outras com seus celulares. Todas elas tinham as mesmas luzes platinadas nos cabelos, usavam os mesmos tênis e dobravam os shorts do uniforme escolar o mesmo número de vezes.

Lucas não esboçou nenhuma reação. Ele ignorava os riquinhos com facilidade, já que como eu, pertencia ao grupo dos sem status. Quer dizer, minha mãe fazia parte das panelas de Vitória, mas eu ainda era a garota do interior.

— Menos mal. — ele soltou a respiração que estava prendendo — Por um breve momento, achei que você estava agindo toda estranha por causa do beijo.

Havia labaredas de fogo queimando as minhas bochechas.

Eu não precisava me olhar no espelho para saber que meu rosto denunciava como eu me sentia a respeito daquele beijo.

— Eu nem... lembrava. — falei quando consegui destravar o queixo. A memória tinha sido desbloqueada com sucesso, e agora eu quase podia sentir o calor de seus lábios sobre os meus.

— Fui tão impressionante assim?

Eu ajustei as alças da mochila sobre os meus ombros. Não era culpa dele.

Eu estava muito ocupada pensando sobre o incêndio para me lembrar que, poucos meses antes, eu tinha beijado um garoto.

O sinal tocou antes que eu respondesse. Salva pelo gongo. Lucas e eu demos um abraço torto, e ele saiu para a primeira aula.

Ignorei os olhares desdenhosos dos outros alunos, que avaliavam os rasgos dos meus jeans e a destruição do meu coturno. Caminhei até os portões do prédio em que teria minha primeira aula, Sociologia, de acordo com o pedaço de papel que minha mãe colocou na minha escrivaninha no dia anterior.

O professor era um tal de Doutor Alan. Achei estranho, mas talvez na Escola dos Ricos fosse comum que doutores dessem aula para alunos de Ensino Médio. Eu fui até a sala de aula e me sentei na última cadeira. A sala não estava muito silenciosa, mas ninguém falou comigo.

Então, um homem alto, de cabelos castanhos e mocassins se postou na frente da classe. Ele parecia realmente novo para um doutor. Não passava muito dos trinta.

Justo quando eu estavapensando que as coisas iam ser fáceis, o professor escreveu a palavra"Viveiro" em letras garrafais na lousa.

Onde Há FumaçaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora