ⅰ | ou ❝nicholas jordan❞

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 O dia do incêndio.

Há pessoas correndo para todos os lados. Nenhuma delas sabe realmente aonde ir. O suor escorre pelo meu rosto, mancha minha pele e minhas roupas. Está quente aqui. Bombeiros se adiantando para tentar salvar o que resta da escola.

Eles falam comigo. Fazem perguntas. Eu não respondo.

A Fundação Haroldo Santini está sendo consumida por chamas douradas. Seria belo, se não fosse trágico. O fogo leva consigo tudo que podia ser visto num raio de uns cinco quilômetros.

Eu não fazia ideia de onde vinha.

Onde havia começado.

Quem havia começado.

Ou por quê.

É diferente. Assistir uma catástrofe na televisão, ou bem diante dos seus olhos. Terror e fascínio disputam a sua atenção. Desespero mudo. Deslumbramento. É lindo, é trágico. Você não sabe se corre pela sua vida, ou se desiste de lutar e sucumbe.

Ao longe, avistei meu irmão, João, sendo carregado por dois bombeiros. Corri o máximo que minhas pernas podiam me levar.

João não respirava. Não abria os olhos. Queimaduras abrasivas podiam ser vistas por seus braços e pernas, esticando sua pele e retorcendo sua expressão, mesmo que ele não estivesse mais consciente. Devia estar sentindo tanta dor, que apagou com aquela expressão de pânico no rosto.

Desespero começou na boca do meu estômago e subiu até a minha garganta. Eu gritei, mas não consegui ouvir a minha própria voz.

"Valéria está lá dentro", ouvi alguém dizer, atrás de mim. Arthur Corrêa. "Minha filha está lá dentro".

E de repente, eu estava elétrico.

Valéria está lá dentro.

Eu queria entrar. Eu devia. Não. Eu precisava. Olhei para o edifício em chamas, e já não estava nem fascinado, nem aterrorizado. Só tinha uma coisa que eu queria fazer, e era tirá-la de lá antes que fosse tarde demais. Antes que os gritos que eu ouvia às minhas costas fossem por ela também.

Corri na direção do fogo; a fumaça incomodava minhas narinas e embaçava a minha visão.

Valéria está lá dentro.

Podia ouvir bombeiros me seguindo, gritando. "Você é louco! Volte agora mesmo, garoto!". Talvez eu fosse mesmo louco. Só um louco, ou alguém que a amasse tanto quanto eu, faria algo assim.

Eu corri pelos corredores em chamas, gritando por ela. Não ouvi nenhuma resposta. A fumaça densa chegava aos meus pulmões. Eu estava inebriado. Não conseguia mais. As minhas forças se esgotaram e a fumaça química ardeu em minhas narinas. Meu corpo estava fraco. Eu tentei dar um passo, mas pisei em falso.

E a única coisa que eu conseguia pensar antes de desmaiar era que não conseguiria salvá-la a tempo.

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Dois dias depois do incêndio.

A primeira coisa que vejo quando desperto é uma janela ampla. Tento me levantar, mas eu estava demasiado fraco. A luz incomoda meus olhos; o quarto é tão branco quanto um quarto de hospital. Reviro-me no colchão duro, e não acho uma posição confortável.

João está sobre uma cama paralela à minha, ligado a um respirador.

A luz do fogo está colada em minha retina como uma memória. Pisco algumas vezes, e abro totalmente os olhos. De repente, há muitas pessoas a minha volta. Meus pais. Pessoas vestidas de branco.

Onde Há FumaçaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora