Capítulo 1 - Dias de um passado esquecido

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Em algum lugar na Califórnia...

"Dia 92 depois da queda de San Francisco. Mais uma vez, não tenho notícias boas. Hoje de manhã chegou um pequeno grupo de sobreviventes da colônia de Stockton. Foram atacados a noite pelos Corvos, perderam seus suprimentos e foram obrigados a fugir. É terceiro grupo que chegou apenas nesta semana. Já somos mais de 300 sobreviventes agora e os recursos estão escassos.

Desde a queda de San Francisco, foram necessários apenas três dias até que o surto tomasse todo o país. Nos adaptamos facilmente com os sobreviventes de Daly City e Ador tem se provado um grande líder com Zoe o aconselhando. Kitty, Bobby e eu passamos a treinar mais, conquistamos a confiança dos mais fortes e logo estávamos nas principais missões de tomada de território e busca de suprimentos.

Adaptar é sobreviver. Conhecimento é segurança. Alianças é força. Esperança é poder. Ador nos tem reforçado estas palavras desde os primeiros dias buscando o equilíbrio emocional do grupo. Todos tínhamos nossas dores e incertezas. Eu perdi meu irmão, minha namorada e minha melhor amiga, não tenho notícias dos meus pais desde o halloween. Quando cheguei a zona de segurança de Daly City, me deixei desabar na tristeza do luto, me isolei, causei intrigas, me senti perdido e busquei a morte. Duas vezes. Kitty me encontrou a beira de um prédio de cinco andares. Bobby me salvou segundos após me soltar de uma cadeira com o pescoço preso a uma corda. Eles também tinham suas dores, mas não deixavam de lutar e não me abandonaram. Ador tinha razão. Precisava ter esperança, me unir a eles, descobrir e adaptar. Juntos seríamos mais fortes. Sabe-se lá onde Ann, Alice ou os Thomsons estariam. Precisava continuar lutando, nem que fosse por mim, mas por eles. Não havia me restado nada. Eles eram a minha família.

Quanto mais próximos das ruas estivéssemos, maiores perigos nos cercavam. Subimos aos mais altos edifícios, elevamos pontes, formamos fazendas e levantamos uma nova colônia na esperança de sobreviver mais um dia. Sem dúvidas, reconstruímos nossas culturas. Com os supermercados e farmácias totalmente saqueados, cultivamos hortas e jardins suspensos com o que a natureza nos proporcionava. Mesmo que tudo parecesse estar indo bem, ainda havia algo que nos incomodava. Comunicação.

Lue provou ser uma mulher extraordinariamente inteligente. Com sucatas, construiu uma estação de rádio que nos permitiu se comunicar com outras colônias ao norte. Houve trocas de conhecimentos e informações muito importantes. O vírus possuía mutações dentre os grupos atingidos. Taylor e seu exército se movia ao leste. Armas ultrassônicas eram desenvolvidas para lutar contra grandes hordas. O Estado teria evacuado a sede da prefeitura de Nova Iorque após um congresso de emergência um dia antes ao surto. As informações não são concretas, mas se baseiam em relatos dos sobreviventes.

Como disse anteriormente, nossa colônia cresceu muito nas últimas semanas. Os Corvos estão nos cercando e precisamos nos preparar para esta guerra que será inevitável. Se um dia ouvir essa gravação, provavelmente meu grupo e eu estaremos mortos. Então me escute, não confie nos Corvos. Esses filhos da puta são vagabundos que empossam de tudo o que construímos. Não se dão ao trabalho de lutar contra os mortos por suprimentos, mas preferem sujar as mãos com o nosso sangue pelas tecnologias e armas ultrassônicas desenvolvidas. Eles se escondem nas sombras e estudam nossas fraquezas, atacando sempre pela noite. Dezenas de colônias foram derrubadas por eles recentemente. Perdemos muitas de nossas bases por Daly City. Sabemos que eles nos sondam e estamos prontos para defender o que é nosso.

Sobre o vírus, estávamos diante de algo imparável e destruidor em nível apocalíptico. Quando contaminado, o vírus se aloja no cérebro criando um invólucro que o impedia de ser aplicada uma cura e se torna dormente. Após a morte do infectado, sem a ação das células, o vírus ativa uma pequena parte do cérebro, o Cerebelo, desenvolvendo novas funções além dos movimentos. Não há raciocínio. O contaminado, agora morto-vivo, apenas tem o desejo de devorar pessoas saudáveis. Outro desafio foi compreender como eles podiam saber quem está morto ou vivo. Contrariando o que acreditava, o vírus não se utiliza do cheiro para distinguir os vivos dos mortos. Desta forma, não existe a menor possibilidade de se beneficiar deste fator camuflando com o sangue deles. Uma das mutações mais assustadoras deste vírus é a comunicação entre os ativos, logo que o vírus nos vivos infectados encontra-se dormente pelo invólucro. 

Rumores ouvidos nas estações de rádio informavam que algum maluco magnata estaria ordenando as tropas de Taylor a fazer testes em humanos infectados a fim de descobrir os níveis de mutações que o vírus poderia alcançar. Nossos amigos poderiam serem estes cobaias. Mapeamos todas as informações que obtínhamos, desenhamos as rotas, percorremos toda a Califórnia. Não encontramos nenhuma presença dos escorpiões, nome sugerido ao exército de Taylor. Na semana passada, viu-se uma luz. Em Oakland, um vigilante escorpião foi capturado e trazido até a nossa colônia. Foi preciso apenas uma conversa curta com o Ador que ele soltou algumas informações. Taylor segue ordens de um superior e o Estado tem relação ao surto. Ele negou ter qualquer informação sobre a base dos escorpiões, mesmo após o Ador tirar alguns dentes dele.

Ainda que estejamos sem rumos, a esperança em reencontrar nossos amigos não morreu. Não iremos desistir, sei que estamos perto. Todas as noites quando deito minha cabeça sobre o travesseiro, vejo Helena, Bruce e Lucy em minhas lembranças. Eu não consegui salva-los e minha consciência pesava sobre onde os outros estariam e se um dia conseguira vê-los ainda vivos.

Amanhã de manhã saíremos novamente em mais uma missão. Devemos ir a San José, de acordo com informações de nossos contatos vizinhos, há atividades suspeitas dos escorpiões por lá. O tempo está acabando e o círculo está fechando. São nossas últimas cartas na mesa. 

Que a minha próxima gravação traga boas notícias... eu espero. Registro do dia 92."

Nick apertou o botão encerrando a gravação. Estava sentado a beira de uma cobertura de um prédio no centro de Daly City. A cidade tinha um cenário pós-apocalíptico. Carros quebrados sobre as ruas alagadas por esgotos. Trepadeiras cobriam a maior parte das casas. Em alguns pontos estremos, haviam resquícios alastrado pelas fumaças de incêndios intermináveis. E, além daquela vasta paisagem cinza sendo conquistada pelo verde, predominava o silêncio. Tão calmo como se nunca tivesse ocorrido o dia zero, ainda que as feridas não fossem apagadas nos sobreviventes.

- Temos que ir - disse uma voz feminina calma.

Nick se levantou da mureta e guardou seu gravador em sua bolsa de couro. Estava usando calças pretas rasgadas no joelho, tênis coturno preto e um colete jeans sobre uma camisa branca de manga comprida. Trapos protegiam suas mãos e uma badana vermelha estava amarrada em seu pescoço. Em seu rosto, cicatrizes da longa noite de terror. De dentro de sua bolsa, retirou uma maçã e jogou para Kitty que lhe aguardava parada a frente da porta. Ligeira, Kitty segurou a mão à alguns centímetros acima de sua cabeça.

- Gostei do novo casaco - comentou Nick apontando para a nova vestimenta azul escuro de Kitty que cobria quase todo seu corpo. A garota ainda usava uma toca azul sobre seus ondulados cabelos pretos cortados na altura dos ombros.

- Também gostei. Nem imagina o que precisei fazer para consegui-lo - respondeu Kitty simpaticamente.

Saindo pelos fundos do prédio, encontraram Bobby os esperando em uma caminhonete azul esfolada. O jovem garoto estava sentado na carroceria tentando falhadamente um malabar com três laranjas, mas tinha dificuldades com as luvas cortadas.

- Ei! - gritou Nick - Cuidado com essas laranjas. Não sabe como estão dificeis de serem encontradas na região.

- Eu sei - respondeu Bobby olhando fixo para uma das laranjas - Fui eu quem consegui-as hoje de manhã.

Chegando ao veículo, Nick jogou seu coldre na carroceria ao lado de Bobby e colocou sua bolsa sobre o painel. Sentada ao seu lado, Kitty lhe entregou a chave do veículo. Sem negar a partida, a caminhonete roncou antes de derrapar os pneus sobre o pedregulho. Virando a direita na deserta rua abandonada, Nick não deixou de perceber os movimentos dos mortos pelas sombras do prédio. Estavam quietos, mas marcavam seu território, esperando encontrar as próximas vítimas distraídas.


***

Hey survivors? Primeiro capítulo oficialmente lançado e com alguns dias de atraso. A justificativa seria a reescrita três vezes do capítulo, além do motivo de mudança de roteiro. Originalmente, este primeiro capítulo seria  bastante diferente, mas achei necessário uma recapitulação estilo "podcast" para os últimos 90 dias após o surto em San Francisco. 

Outro ponto importante que quero ponderar, este livro será menos corrido que o primeiro. Quero focar no desenvolvimento dos personagens, principalmente este que vai introduzir muitos outros personagens importantes. Isso não significa que será monótono. Ação e terror sempre que possível, garanto.

Até a próxima! Sobrevivam!


Zombie World - A Evolução (Livro 2)Where stories live. Discover now