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“So you were never a saint (Então nunca foste um santo)
And I've loved in shades of wrong
(E eu amei em tons errados)
We learn to live with the pain
(Nós aprendemos a viver com a dor)
Mosaic broken hearts
(Mosaico de corações partidos)
But this love is brave and wild
(Mas este amor é valente e selvagem)”- State of Grace, Taylor Swift.

P.D.V Melody

Estipulo, como verdade absoluta, que a cada instrumento está associado uma emoção.

Piano. Rijo, extenso, rigoroso, avassalador, violento. Premeia a dor. Fragmentado dá origem a duas espécies que coexistem em harmonia. As pintadas de branco exaltam a maldade encoberta. As pretas iludem-nos com a ponte entre o superficial e a essência do verdadeiro porquê.

O resultado chegara há relativamente pouco tempo. Negociei com os meus pais umas horas ao piano. Pelo seu caráter firme é vantajoso usá-lo, assim pensei. Pesadíssimos dedos deleitam-se sobre o próprio, agora.

Aproximando-me perigosamente, tomo com precaução, o lugar a seu lado.

- A produção de glóbulos brancos é afetada. – Deixa escapar rapidamente. - Quimioterapia para controlar a doença. Necessita de um transplante de medula óssea. Os meus pais e eu não somos compatíveis.

Um silêncio ensurdecedor vive-se dentro das quatro paredes do meu quarto.

- Lamento muito.

- A compatibilidade tem de ser total. – Continua. - As hipóteses são mínimas…

Quando iniciei este ano na Academia, insistia em ver o mundo de uma forma egoísta. A pior catástrofe que conhecia era não conseguir o tão cobiçado lugar na Companhia de Dança Londrina no final do ano. Bruscamente, é-me dada a conhecer uma realidade paralela. Espaço físico onde cada um de nós caminha para o abismo a passos largos.

- Tenho de regressar ao hospital. – Enfatiza, audivelmente desgastado.

Passo a passo. As maiores batalhas são vencidas passo a passo. Igualmente, perdidas passo a passo. A linha é facilmente quebrável.

- Posso acompanhar-te?

Caminhámos pela multidão atarefada e barulhenta, típica do centro Londrino. Bolsas balançam sobre o antebraço de cada uma das belas jovens que nos contornam. Questiono-me de qual o motivo para caras tão carrancudas? Será cruz suficiente quando comparada à que o jovem que segue a meu lado carrega?

- Já pensas-te no significado da vida? – Ouço-o investigar tensamente.

Uma rajada veloz eleva os meus cachos incontrolavelmente. Liberto por entre os dentes palavras de desdém. Que dia desagradável!

- Não tanto como no significado da morte. – Contraponho guinchando, devido à corrente fria vinda do norte.

Tento bloquear qualquer entrada de ar para o meu corpo, fechando o enorme casaco de peles que anteriormente vestira. Arfo involuntariamente, evidenciando o meu desagrado para com o clima.

- Às vezes penso no porquê de existir. Não se trata de o mundo ser um lugar melhor sem mim. – Coloca uma das suas mãos no bolso das calças pretas.

Vejo-o embarcar num mar pensamentos, um turbulento mar de cálculo.

- Daria tudo para saber o porquê de tudo isto. – Coloco a voz, ainda que reticente. – Deveremos nós realmente ter medo da morte? Não será ela um brinde? Quer dizer, é suposto ser a passagem para um lugar invejável. Quererá isso dizer que a nossa vida propriamente dita é a fase intermédia de um plano maior?

Why me? || h.s. & n.h.Where stories live. Discover now