Nono

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Marcela Ferreira
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O câncer está acabando comigo, sinto que estou pagando por todos os meus pecados, que com certeza não é pouco, sinto falta de sentir o gosto da carne na minha boca, sentir o sabor do feijão, de mastigar. Sinto falta de quando o sol queimava minha pele, de conseguir caminhar sem ter alguém calculando meus passos com medo de eu cair ou de acordar depois de um sono tranquilo, sem nenhuma falta de ar, sem vomitar coisas ou andar com um aparelho do lado, sem ter uma sonda entupindo meu nariz e boca.

Passei as mãos por minha cabeça e sentir falta dos meus cabelos, nada me faz mais falta que ele, sinto falta de sentar em frente ao espelho e passar horas e horas escovando eles enquanto cantava uma música qualquer.

-Mãe, tá tudo bem ? __ Liara se aproximou __ Tá sentindo dor ?__ Me mediu e segurou minhas mãos.

-Um pouco, meu estômago tá doendo __ Falei.

Sinto que a sonda não está ajudando muito com a minha alimentação, nem mesmo a quimioterapia faz efeito mais. Os remédios são fortes, mas não são fortes o bastante para matar o câncer que come meu estômago, os remédio são tão caros e vários deles demora meses para chegar do exterior, pra minha sorte, minha filha tem dinheiro o suficiente para me mantê estável até certo ponto, mas sinto que não irei demorar muito por aqui.

-Filha, eu quero ir pra casa __ Falei __ quero morrer na minha casa, por favor. Não deixa que o câncer tire minha casa de mim também __ Pedi.

-Você não pode ir ainda, amanhã vamos tentar um método novo, mãe __ Me olhou a ponto de chorar __ tem 50% de chance de dá certo, esse hospital é melhor que o outro, tem mais recursos para a senhora, vai dá certo. __ Disse quase que desesperadamente.

-Filha, me perdoa por tudo __ pedi manhosa __ Por não entender que você precisava mais de mim, que precisava de um figura paterna, por ter escondido tudo de você __ alisei sua mão __ Desculpa por te expulsar de casa quando você mais precisou __ Chorei.

-Eu não entendo, esconder o que ? __ Me olhou __ Eu já te perdoei por tudo, mãe. Espero que a senhora me perdoe também __ Disse.

- Você nunca fez nada __ Encarei seus olhos __ Agora eu sim, eu sou um monstro, o mais cruel do mundo __ Solucei

- Não é não __ Ela disse.

As vezes eu queria saber a quem Liara havia puxado, deve ter sido alguém da família do pai dela, certamente que sim, ela é tão doce. Tão cheia de amor, tão forte. Tem toda a facilidade do mundo pra se reerguer, mesmo que o mundo esteja desabando em sua cabeça, mesmo com a depressão de tempos difíceis incomodando ela, mesmo que o mundo não seja exatamente o seu lugar.
Espero que um dia ela consiga me perdoar por todas os meus erros, que um dia ela consiga me deixar ir, porque enquanto ela estiver ao meu lado, sem saber de toda a verdade, eu não vou está em paz, pra ir.

Eu só preciso de um tempo pra colocar as coisas em ordem para conta-la toda a verdade, mas sinto que esse tempo foi tirado de mim.

(...)

Um mês depois...

Sentir a fraqueza do meu corpo e pisquei algumas vezes os meus olhos, vendo todos a minha volta.

Liara, Caio, Marlon, Annyka, Melissa, Letícia, Neguinho. Todos que fizeram parte do final medíocre da minha vida.

-Filha __ Segurei na mão de Liara __ Eu espero muito que um dia você me perdoe por tudo __ Falei fraca __ Mas eu sinceramente não tenho mais força pra continuar aqui, você me entende não é ?__ perguntei __ Lutar com o Morte é a batalha mais difícil do mundo __ Sentir as lágrimas banharem meu rosto enquanto eu gaguejava.

-Ta tudo bem, mãe __ Alisou minha cabeça careca __ Eu entendo que você tenha que ir, eu sinto muito por não ter tentado o suficiente __ Chorou

-Seu pai está vivo __ Falei, antes que ela não me deixasse mais falar nada __ Ele não sabe de sua paternidade, porque eu escolhi não contar, você me perdoa, perdoa a mamãe por favor __ Vi Liara engolir em seco e balançar a cabeça __ É o Breno __ Falei baixinho tentando ter forças pra falar __ Breno é seu pai __ forcei meus olhos a ficarem abertos.

-Eu te perdoo, mãe __ Disse.

Sei que não era isso o que Liara queria me dizer, mas ela entendia que eu estava com o pé em outro mundo, não sei pra onde eu vou, depois daqui, mas sei que onde quer que eu esteja, eu vou está olhando por ela.

-Eu te amo __ Sussurrei antes de deixar o cansaço da luta da minha vida me tomar.

-Eu te amo, mãe __ Ouvir sua voz, mas eu já estava longe demais para voltar e da um sorriso.

A morte venceu a luta.

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Esse foi um capítulo difícil pra mim, tive que parar umas 3 vezes para me recompor e decide o rumo disso tudo, Marcele infelizmente não teve um fim muito bonito, mas deu continuidade a uma história.

Próximo capítulo vai ter meta de votos e comentários. Espero que vocês estejam preparados.

Guerreiro Do GuetoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora