Cap. 56

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— Como é? — Minha voz saiu mais como um sussurro.

Eu não poderia acreditar. Não estava ao meu alcance.

— Não pode ser — a voz de Mirella também saiu falha.

Era impossível acreditar que, Luís, com aquele sorriso imenso no rosto esse tempo todo, na verdade sofria como ninguém. Eu mal posso imaginar como deve ser perder um familiar meu, isso porque tenho seis pessoas na família, Luís não tem ninguém além de sua mãe. Ele escondeu que sofria esse tempo todo apenas para não me deixar preocupado e deixar de realizar o casamento. Eu não acredito.

Rapidamente lágrimas descem por meu rosto, assim acontece também com Mi. Ali, de verdade, estávamos sofrendo um tanto considerável perto do que nosso melhor amigo estava. Apenas abraçamos ele. Era tudo o que ele precisava agora.

— Por que não contou isso antes? — Mirella se levanta, inconformada, enxugando as lágrimas.

— Eu só... não queria preocupar vocês em um momento tão bom para ambos. Logo mais é o casamento de Cadu, você também está feliz com suas conquistas, e no fundo eu achava que nada disso fosse mesmo acontecer, mas... — ele desaba no choro novamente — ontem no hospital, quando fui visitá-la, o doutor responsável pelo quadro dela me chamou num canto como o único familiar presente, me esclareceu tudo sobre o estado clínico dela de meses para cá.

Ele pausa, respira fundo e continua.

— No início parecia que tudo podia ser controlado, mas depois a situação dela de tornou algo incontrolável. Ver o sangue escorrer por seu nariz, as vezes no garfo, quando ia comer... os enjôos que ela tinha, as dores... E EU NÃO PODIA FAZER NADA — ele se altera.

Mirella e eu não conseguíamos segurar as lágrimas.

— Ela precisava de sangue, eu doei. Ela precisava de mais, eu doei. Mas não foi o suficiente. Nunca foi — limpa os pingos de água do rosto. — A cada quimioterapia que eu a acompanhava, dava para ver o seu sofrimento no olhar... Eu segurava suas mãos, mas elas ficavam fracas com o tempo e deslizavam das minhas. Ela já estava ficando anêmica, tinha infecções às vezes sem perceber o porquê, bastante febre, náuseas, e sempre estava muito cansada. De noite era muito pior. Ela clamava por meu nome enquanto chorava baixinho, mesmo querendo gritar. Sentia dores nos ossos, transpirava bastante e também tinha calafrios. Outra vez eu não podia fazer nada a não ser ligar para o médico e seguir o que ele falava, auxiliar ela no que ela precisasse e dar os medicamentos. Vocês tem noção do quanto me senti inútil?

Ele me encara, pausando um pouco para respirar fundo

— Ela começou a ter quedas de pressão e corria alto risco de se machucar ao se chocar ao chão. Foi quando o médico dela me aconselhou a internar ela e mantê-la no hospital até o estado dela melhorar. Isso já faz dois meses. O que ele não me avisou de princípio foi que ela não voltaria a melhorar — Luís chora alto. — Esses últimos dias o médico me falou de uma vez por todas o que cada família menos espera ouvir. Primeiro me pediu para se sentar, — mais uma vez sua mão vai em encontro com a boca, afim de controlar um pouco a cara de choro — e então ele foi contando detalhe por detalhe de como foi o tratamento até aqui. Elogiou minha mãe por ser uma pessoa forte, — sorriu em meio às lágrimas, provavelmente concordando, porque de fato ela era — então ele começou a dizer que nada mais estava dando certo, que os remédios, a quimioterapia, a internação, nada mais estava fazendo o mesmo efeito de antes e que...

Dessa vez ele parou por um longo tempo.

— Um mês seria muito para ela — eu nunca vi ele chorar tanto, mas eu nem posso dizer nada, estou feito uma criança que acabará de ser tirado o doce. — Ele disse que ela sofreu demais e que muitas pessoas no lugar dela não teriam ido tão longe como a minha mãezinha — seus olhos se fecham, mais lágrimas caem com a pressão que as pálpebras fazem.

Minha respiração estava descompassada, era informação demais para mim. Meu coração pulsava rápido. Ele estava falando da minha segunda mãe. Daquela que sempre me ajudou no que eu precisava, me dava conselhos e, no fim da tarde, depois do futebol, ainda me chamava para comer um lanchinho.

— Bom, — ele franziu os lábios e se levantou — não tem como eu ser ingrato e dizer que quero a todo custo que ela fique, permaneça, a cada dia que passa ela está mais incapacitada naquele quarto de hospital. Ela já estava morrendo aos poucos, só eu que não percebi antes. O que eu mais quero é que ela descanse, mas eu ainda não entendi porque tudo isso teve que acontecer comigo, e ainda mais agora.

— Luís, — Mirella limpa as lágrimas com as próprias mãos — você é um dos homens mais fortes que eu já conheci na vida — ela segura novamente as mãos dele, forçando o mesmo a olhar em seus olhos. — O tanto de vezes que já conversei com a tia, ela sempre se orgulhou muito de você e deixava claro isso. Um garotinho que cresceu sem o pai, que foi abandonado junto com a mãe, pela própria família, cara... você é incrível! Você e sua mãe são dois vencedores. Está ouvindo? — Ele assente chorando. — Você está ouvindo, Luís? — Ela grita. — Você é INCRÍVEL!

Me levantei e abracei os dois. Era o melhor abraço coletivo que alguém poderia receber ou dar na vida. Todos nós chorávamos muito, o melhor era que cada um entendia tão bem ao outro que até as dores eram compartilhadas ao extremo.

— Hey, você esqueceu de um simples detalhe.

Luís me encarou com um olhar de desentendimento, mesmo vermelhos.

— Por quem você está apaixonado?

Ele exitou de início, mas sorri de lado, sem mostrar os dentes, então ele tomou coragem e respondeu.

— Eu sei que no fundo você desconfiava. Sei também que estive errado por não falar, mas o medo de você não aceitar era maior. E no fundo eu também estava me perguntando se era mesmo ela. Tentei de todas as formas me distanciar dela, parar de falar com ela, mas foi impossível, isso levou a gente a se falar mais ainda. Na verdade, sempre tinha um motivo para nós estarmos juntos ou nos falando, era como se o destino já tivesse tudo decorado e só estivesse botando em prática. Eu sou loucamente apaixonado pela sua irmã, Cadu.

Eu acabei sorrindo com aquilo. Imediatamente lembrei do dia que fiquei com ciúmes no restaurante e de cada palavra que Sarah me disse. Sobre eu ficar feliz por minha irmã também estar. Abracei ele com força. Ouvia o seu choro baixinho no pé do ouvido, porém eu estava igual. As lágrimas de emoção caiam e caiam.

— Er... — enxugo as lágrimas, me separando de seu corpo — eu não vou falar nada porque eu sei que você vai cuidar dela — dei tapinhas em seu peitoral. — Você sempre me ouviu falar sobre o que eu faria se algum cara estivesse apaixonado por ela, as regras bobas que eu criava, os critérios para ele estar perto dela e... no fundo, essa pessoa era ninguém menos que meu melhor amigo. Você é brilhante, assim como Mirella disse. Eu te amo, véi. Eu sei que vai cuidar da minha irmã, vai protegê-la, ser o companheiro dela, na alegria ou na tristeza. Eu só acho que você deveria fazer o que está pretendendo fazer logo, Thaíssa é orgulhosa demais para assumir que está apaixonada por alguém. E se tem alguém que pode fazer o coraçãozinho dela derreter, esse alguém é você. Inclusive, tenho uma proposta para ti, mas isso a gente vê mais tarde. Vamos para o restaurante, você vai saber o que fazer — pisco e sorrio em seguida. Mais um abraço é dado. Mirella sorria de orelha a orelha. Talvez admirando a amizade de nós três, que sempre prevaleceu forte. Um aconselhando e acolhendo ao outro tanto em momentos de tristeza, como esse, como também em momentos de alegria, os quais estão próximos.

Meu Caveira (Concluído)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora