Cap. 19

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— Você já tem dezessete anos, o que já teve que enfrentar e quantas vezes pensou em estar aqui onde está hoje? O que te faz pensar que você não vai conseguir segurar essa barra, esses obstáculos que te impede de ser feliz, de caminhar para frente, de seguir firme e forte? Olha, vou te dizer uma coisa. Um amigo meu da época do colégio se matou. E não, ele não demonstrava sinais de depressão.

Nessa hora minha maior vontade era de chorar. Talvez eu fosse um fraco e fizesse o garoto se matar de vez ao me ver emotivo demais. Talvez por achar que os meus problemas sejam maiores que os dele. Mas talvez o jogo virasse e eu conseguisse fazer com que ele desistisse dessa ideia de tirar a própria vida. Esse é meu jeito, não consigo abandonar uma pessoa quando eu prometi desde o início de que estaria com ela até o final. Isso que vim fazer aqui, isso que vou cumprir.

— Mas uma pessoa que planeja se matar ou se mata, ela não mata só ela, ela mata todos ao seu redor. É como uma mãe que perde um filho para as drogas, para o crime. O filho pode estar pouco se importando com o que os outros devem estar achando dele, mas a mãe sabe a dor que sente toda vez que olha uma fotografia do filho ou lembra dele quando criança.

— A MINHA FAMÍLIA MORREU, EU ESTOU SOZINHO! POR QUE SOBREVIVI A ESSE ACIDENTE? POR QUÊ? — ele chorava horrores, agora pude ver melhor seu rosto e o quão inchado estava; ele finalmente olhou para mim. Era de dar dó. Eu sabia que aquilo não era ele, era o interior dele, o psicólogo abalado, mas não era a vontade dele.

— Porque Deus lhe deu uma nova oportunidade — sorrio sem mostrar os dentes. — Já ouviu que quando a vida te dá limões você deve fazer uma limonada? Então, se a vida te der uma oportunidade de viver novamente, tem que aproveitar os próximos tempos como se fosse seu último dia, aliás, já sentiu como seria. Tudo vai melhorar. Tudo vai se encaixar. Você não acha que com o tempo você não vai conseguir entrar para a equipe de enfermagem que tanto sonha? Lá você pode ver um caso de uma tentativa de suicídio, que muitas das vezes dá certo. Você pode olhar a ficha da pessoa e ver você no passado. Olhar para ela e pensar que tudo poderia ter sido diferente se alguém tivesse descoberto o problema dela antes, se alguém a ajudasse ou se ela pedisse ajuda. Talvez se essa pessoa tivesse tempo de enxergar a vida com outros olhos. Como você se sentiria ao lado de uma pessoa assim? Que já pensou como você? Que fez o que um dia você tentou fazer? Eu sei. Você se sentiria mal por ele, mas ao pensar que um dia já foi como tal, você se lembraria do que passou e daí se sentiria vitorioso, um verdadeiro sobrevivente.

— Você acha mesmo? Você acha que é fácil passar pelo que passei? Acho que ainda foi tarde de eu ter tomado essa decisão.

— Eu não estou falando que foi fácil. Nada é fácil quando só nós entendemos e compreendemos nossa dor. Eu sei que mesmo que a gente fale para outra pessoa, nunca ela vai entender e sentir como a gente. E não foi tarde e nem cedo para nada! Absolutamente nada! Você não iria se matar e acabar com a dor, ela iria apenas começar, e não seria para você, seria para eles, seus amigos e o resto dos seus familiares, que ficariam aqui. Isso é o que você está sentindo com a perda da sua família. Eles se foram mas você está sofrendo, e isso não vai acabar tão cedo. Preciso dizer que mesmo que você desista dessa ideia, não será fácil esquecer desses seus dias difíceis. Talvez você precise de apoio psicológico. Mas compensa, certo?

— Por que só eu sobrevivi?

— Isso ninguém nunca vai saber. Só o cara lá de cima para entender tudo o que acontece em nossas vidas. Ele que planeja cada detalhe dela.

— Por que ele permitiu que minha família morresse? — Chora.

— Deus faz isso para testar a gente. Testar se vamos dar valor a vida. Você sabe que Deus não vai aceitar se você se matar. Ele quer que, por mais que esteja difícil e você enfrentando muitos problemas, ele quer que acima de tudo você se lembre que ele está e sempre estará contigo para tudo. Seus amigos estão preocupados, sua família restante... Todos estão lá embaixo chorando e rezando que você volte para eles. Pedindo a Deus que você mude de ideia.

Ele observou todos, como eu falei.

— Eu sei que você não quer isso, volte para eles. Eles precisam de você, assim como você, Jonas, precisa deles.

Por um momento eu pensei que ele tivesse desistido de pular, mas não. Ele pulou o ferro na lateral da ponte, o que impede as pessoas de caírem lá embaixo. Me aproximei mais, cada vez mais. Quando eu percebi eu já estava correndo em sua direção. Ele se jogou, mas por sorte que eu já estava perto o bastante e segurei seus braços.

— Me solta, deixa eu acabar logo com isso — lágrimas caiam e molhavam seu rosto.

— Não! Eu vim aqui com a missão de fazer você mudar de ideia, não vou desistir enquanto não cumprir com ela. Já perdi pessoas na vida, algumas por falta de informação, falta de prática, e outras por não saber o que estava acontecendo. Isso não vai se repetir!

Ele estava pesando demais para mim, pensei que a qualquer momento eu pudesse perder todas as minhas forças e deixar que a missão tenha sido falha. Não, não dessa vez! Pensei em tudo que já tive que passar na vida. Como disse, as pessoas que eu perdi, muitas delas de certa forma por culpa minha.

De repente, quando vi eu já estava puxando ele cada vez mais para perto. Quando finalmente consegui tirá-lo daquela situação de risco eu agarrei seu corpo e me joguei no chão com ele. Eu respirava aceleradamente, não pensei que a operação fosse tomar essa proporção. Meu peito subia e descia, assim como o de Jonas.

Segurei seus braços depois de nos recompormos e sentarmos.

— Ouviu o que eu disse? Não vou desistir de você, você não vai ser mais uma alma perdida, seu caso ainda tem solução e ela está bem lá embaixo — me refiro a família e amigos dele.

— Obrigado — sua expressão de medo e angústia por ter caído na realidade eram bem visíveis. Já estávamos num abraço e eu nem tinha pensado no tanto de coisas que tiveram que acontecer para que esse jovem, assim como muitos outros, tivesse que desistir do suicídio. Aliás, isso nunca é a única nem a última opção. Eu sorri durante o abraço, finalmente minha missão aqui nessa operação tinha sido cumprida, assim como desejei desde o início.

Segurei em sua mão e fui guiando ele escada a baixo, sempre dizendo para não olhar para baixo. Pisei na rodovia, poucos segundos depois Jonas fez o mesmo. Em fração de segundos uma salva de palmas foi um dos motivos pela qual sorri e tive o prazer de entregar Jonas até quem ele mais amava. Eu não sei explicar como reagi com a operação que teve sucesso.

Ao mesmo tempo eu sabia que se eu tivesse falado qualquer palavra errada na hora errada tudo poderia ter ido por água a baixo e talvez ele nem estivesse agora conosco, me fazendo se sentir culpado pelo resto dos meus dias na Terra.

Meu Caveira (Concluído)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora