Capítulo 37 ou "A última despedida"

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- Uma coisa boa sobre ser inocente? - Zaca falou sem humor enquanto jogávamos um videogame portátil que ele trouxe de Vitória. Uma de nossas atividades favoritas era imaginar cenários em que eu tomava alguma atitude em relação aos responsáveis por toda a desgraça que eu tinha vivido (que não envolvesse o pendrive pressionado contra a minha perna dentro dos meus jeans) - Você pode processar. Processar todos. Você é uma vítima e pode processar cada um desses filhos da mãe...

- Eu não vou processar ninguém. - revidei com a voz cansada. Empurrei o botão do controle, finalizando a batalha entre nós no jogo. Depois, olhei para ele.

- Eu só estou dizendo que seria fantástico...

- Não adianta. -- eu joguei o controle no sofá.

Não vai trazê-lo de volta.

- Não teria muito efeito, também. - uma voz falou às nossas costas - No máximo, você ganharia um trocado. Mas tenho certeza de que você não quer nada dos Leal.

Ah, eu queria algo de Carlos Henrique Leal. Certamente não seu dinheiro.

- Doutora Mônica, eu não sabia que você ainda estava por aqui. - Zaca falou, lembrando-se de que ela estava dizendo na noite anterior que teria de ir a Vitória acertar umas coisas, para depois voltar a Viveiro como assistente de acusação. Para se certificar que nenhuma gracinha estava sendo feita, ela disse, considerando a influência dos Leal na cidade.

Eu sabia que independente de suas boas intenções, gracinhas seriam feitas. Não confiava por um segundo no sistema de "fazer justiça" de Viveiro. Não quando aquele mesmo sistema estava pronto para me jogar em um reformatório sem provas de que eu realmente era a responsável pelo incêndio.

Isso sem mencionar o fato de que eu era, bem, inocente.

Zaca perguntou por que o plano inicial era ele e Doutora Mônica irem juntos até a rodoviária, só que ela pegaria um avião na capital e ele seguiria a viagem de ônibus até o Espírito Santo. A casa ficaria monstruosamente vazia sem eles.

A ideia de ficar sozinha não era exatamente animadora, mas eu gostava da perspectiva de ter algum tempo para pensar no que eu faria com aquele pendrive.

- É exatamente sobre isso que queremos conversar com você. - foi a vez de o meu pai falar. Virei-me para encará-los. Eles estavam em pé, enrijecidos um ao lado do outro. Tensos. Zaca se mexeu desconfortavelmente ao meu lado.

- Vamos ficar juntos, pra valer. Mônica e eu. - ele anunciou, mas isso eu já sabia. Se uma coisa boa tinha saído de toda aquela bagunça, era meu pai agora ter uma companheira que não só era uma excelente pessoa, como também fazia muito bem para ele - Só falta você decidir se isso vai ser em Vitória, ou em Viveiro.

Não tinha certeza de que estava entendendo.

- Eu decidir?

- Nós queremos o melhor para você. - Doutora Mônica afirmou em um tom maternal que não lhe caía bem, considerando que eu, em geral, não lido muito bem com figuras maternas.

- Então, decidimos que talvez seja melhor irmos para Vitória. - Arthur lançou um olhar a Zaca, buscando aprovação - Você ama a cidade. Lucas está lá. Zaca também, pelo menos até ir para a faculdade. E aqui você não dorme nem no seu próprio quarto. Não existe nenhuma chance de você voltar a ter uma vida normal nessa cidade.

Ele estava certo. Eu nem tinha chegado a me apegar a qualquer tipo de vida que eu viesse a ter em Viveiro. Minha intenção sempre foi voltar para Vitória tão logo quanto fosse possível.

E agora era. Possível, quer dizer.

- Pode começar do zero. - Mônica sugeriu.

Avaliei com cautela as minhas possibilidades. Eu realmente podia me beneficiar de dar o fora de Viveiro, por ora. Até eu decidir o que faria com os recursos que eu tinha. Como usaria o conteúdo daquele pendrive para dar à Gangue o que eles realmente mereciam.

Quem Brinca Com FogoWhere stories live. Discover now