02.1 | ou ❝má publicidade❞

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Eu estava na capa do jornal de Viveiro, de pijama listrado e com uma escova de cabelo agarrada em um emaranhado de cabelos castanhos, bem no topo da minha cabeça. Ah, claro, e mostrando o dedo do meio para o fotógrafo enquanto falava ao celular.

A figura da loucura, em carne, osso, e calças de algodão.

— No que você estava pensando? — gritava Doutora Mônica Hansen, do escritório de advocacia capixaba Freire e Hansen, também conhecida como minha advogada. Ela irrompera pela porta com suas sandálias abertas de saltos finos, calças de alfaiataria e sobretudo acinturado que apenas destacava a bela silhueta de uma bela mulher, que não passaria despercebia a qualquer homem do mundo

Exceto meu pai, que abdicara de sua vida amorosa desde sua decepção com a minha mãe.

— Isto é um escândalo! — ela insistia, e eu estava distraída observando as roupas de Mônica, que certamente foram desenhadas pela minha mãe.

Mônica Hansen bateu na mesa um exemplar do jornal do qual eu era a capa. Não que fosse necessário, pois desde que eu me tornara a notícia da cidade as pessoas simplesmente jogavam os jornais à nossa porta, e nem precisávamos nos preocupar em fazer uma assinatura. Os habitantes de Viveiro desenhavam chifres nas minhas fotos e as esfregavam na minha cara.

— Eu achei engraçado. — disse meu pai enquanto bebericava uma xícara de café. Ele releu a reportagem diversas vezes e a cada leitura parecia mais divertido. Em algum momento ele recortaria a foto do jornal e colocaria em uma moldura para pendurar orgulhosamente em algum canto da casa.

— Eu não posso te inocentar se você continuar vendendo essa imagem de louca para a cidade inteira, Valéria. — ralhou Mônica, depois de lançar ao meu pai um olhar de incredulidade — Isso é má publicidade.

— Para quem queria nenhuma publicidade... — ironizei, e levei meu café com leite aos lábios.

Eu não estava tentando testar os limites da minha advogada, mas não conseguia entender qual era o problema em dar um bom dedo a um fotógrafo chato que não me deixava em paz. Tampouco entendia por que nossa reunião tinha que acontecer tão cedo, e de estômago vazio.

— É um caso grande. — desabafou Mônica, parecendo ligeiramente mais humana. Ela puxou uma cadeira e se sentou diante de mim — O maior que essa cidadela já teve. É provavelmente o maior da minha carreira também. O mais complexo. Cada detalhe é importante agora, Valéria, cada pequena coisa que você faz está sendo observada de perto por um juiz que pode entendê-la como culpada e te enfiar num reformatório pelos próximos dois anos.

Eu senti um arrepio. Dois anos era muito tempo da minha vida, de dezesseis. E também era o tempo que levaria até que eu fizesse dezoito anos. Eu não estava empolgada para passar os últimos meses da minha menoridade em um centro de tratamento de delinquentes juvenis, escondendo a minha escova de dentes no travesseiro para que nenhuma valentona a roubasse enquanto eu dormia.

— Isso seria injusto. — devolvi, amarga, pensando em todos os fiapos de lençol que estariam agarrados às cerdas da escova de dentes.

— Falando nisso, — Mônica tirou um envelope de dentro da sua pasta — seu primeiro laudo da psicóloga comportamental chegou.

— Atestando a minha evidente loucura? — meu pai soltou uma risadinha e fez um gesto aludindo à escova agarrada no topo da minha cabeça.

— Atestando que você tem traumas relacionados ao incêndio, mas que não sente culpa. Isso é muito bom para a defesa.

—O que é bom para a defesa é ter um cliente inocente, e isso você tem. —cruzei os braços; eu não tinha certeza de até onde a Doutora Mônica Hansen confiava na tese de que eu era mesmo inocente. Por isso, eu achava bom enfatizar sempre que tivesse a chance, ou que ela viesse com esse papinho de "temos que tomar cuidado com cada detalhe do julgamento, caso contrário, você vai parar num reformatório".

Quem Brinca Com FogoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora