Eu estava na capa do jornal de Viveiro, de pijama listrado e com uma escova de cabelo agarrada em um emaranhado de cabelos castanhos, bem no topo da minha cabeça. Ah, claro, e mostrando o dedo do meio para o fotógrafo enquanto falava ao celular.
A figura da loucura, em carne, osso, e calças de algodão.
— No que você estava pensando? — gritava Doutora Mônica Hansen, do escritório de advocacia capixaba Freire e Hansen, também conhecida como minha advogada. Ela irrompera pela porta com suas sandálias abertas de saltos finos, calças de alfaiataria e sobretudo acinturado que apenas destacava a bela silhueta de uma bela mulher, que não passaria despercebia a qualquer homem do mundo
Exceto meu pai, que abdicara de sua vida amorosa desde sua decepção com a minha mãe.
— Isto é um escândalo! — ela insistia, e eu estava distraída observando as roupas de Mônica, que certamente foram desenhadas pela minha mãe.
Mônica Hansen bateu na mesa um exemplar do jornal do qual eu era a capa. Não que fosse necessário, pois desde que eu me tornara a notícia da cidade as pessoas simplesmente jogavam os jornais à nossa porta, e nem precisávamos nos preocupar em fazer uma assinatura. Os habitantes de Viveiro desenhavam chifres nas minhas fotos e as esfregavam na minha cara.
— Eu achei engraçado. — disse meu pai enquanto bebericava uma xícara de café. Ele releu a reportagem diversas vezes e a cada leitura parecia mais divertido. Em algum momento ele recortaria a foto do jornal e colocaria em uma moldura para pendurar orgulhosamente em algum canto da casa.
— Eu não posso te inocentar se você continuar vendendo essa imagem de louca para a cidade inteira, Valéria. — ralhou Mônica, depois de lançar ao meu pai um olhar de incredulidade — Isso é má publicidade.
— Para quem queria nenhuma publicidade... — ironizei, e levei meu café com leite aos lábios.
Eu não estava tentando testar os limites da minha advogada, mas não conseguia entender qual era o problema em dar um bom dedo a um fotógrafo chato que não me deixava em paz. Tampouco entendia por que nossa reunião tinha que acontecer tão cedo, e de estômago vazio.
— É um caso grande. — desabafou Mônica, parecendo ligeiramente mais humana. Ela puxou uma cadeira e se sentou diante de mim — O maior que essa cidadela já teve. É provavelmente o maior da minha carreira também. O mais complexo. Cada detalhe é importante agora, Valéria, cada pequena coisa que você faz está sendo observada de perto por um juiz que pode entendê-la como culpada e te enfiar num reformatório pelos próximos dois anos.
Eu senti um arrepio. Dois anos era muito tempo da minha vida, de dezesseis. E também era o tempo que levaria até que eu fizesse dezoito anos. Eu não estava empolgada para passar os últimos meses da minha menoridade em um centro de tratamento de delinquentes juvenis, escondendo a minha escova de dentes no travesseiro para que nenhuma valentona a roubasse enquanto eu dormia.
— Isso seria injusto. — devolvi, amarga, pensando em todos os fiapos de lençol que estariam agarrados às cerdas da escova de dentes.
— Falando nisso, — Mônica tirou um envelope de dentro da sua pasta — seu primeiro laudo da psicóloga comportamental chegou.
— Atestando a minha evidente loucura? — meu pai soltou uma risadinha e fez um gesto aludindo à escova agarrada no topo da minha cabeça.
— Atestando que você tem traumas relacionados ao incêndio, mas que não sente culpa. Isso é muito bom para a defesa.
—O que é bom para a defesa é ter um cliente inocente, e isso você tem. —cruzei os braços; eu não tinha certeza de até onde a Doutora Mônica Hansen confiava na tese de que eu era mesmo inocente. Por isso, eu achava bom enfatizar sempre que tivesse a chance, ou que ela viesse com esse papinho de "temos que tomar cuidado com cada detalhe do julgamento, caso contrário, você vai parar num reformatório".
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Quem Brinca Com Fogo
Teen FictionUm ano depois do incêndio que fez com que Valéria deixasse Viveiro em busca de uma vida nova, a garota volta à cidade para sofrer as consequências de suas atitudes na tragédia. Além de ter que lidar com uma cidade inteira acreditando que ela própria...