05.1 | ou ❝amor antigo, ciúme novo❞

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— Eu devo ter enlouquecido. — falei a João e Dolores, absolutamente paralisada às portas da Fundação Haroldo Santini no meu primeiro dia de aula desde que eu decidira retornar à escola – Essa é a única razão plausível para aceitar vocês dois me arrastando para essa tortura.

Depois do meu primeiro dia de aula na Leonardo da Vinci em Vitória, eu nunca mais achei que passaria pelo constrangimento de um primeiro-dia-de-aula novamente. Até porque, mesmo que eu voltasse a Viveiro, não seria realmente um primeiro dia, já que eu havia estudado ali antes.

Aparentemente essa regra só é válida se você não está sofrendo uma ação criminal por ter incendiado sua escola. Até porque, não era exatamente a mesma escola. A Fundação havia sido em boa parte restaurada, então, tudo parecia ligeiramente diferente. A iluminação parecia melhor, creio eu, devido à troca da fiação do prédio por uma nova em folha, de modo a evitar outro incêndio por curto circuito. As paredes haviam sido pintadas com motivos azul-escuro e laranja, as cores da instituição, que também apareciam nos novos uniformes que todos usavam, menos eu, pois não tivera a chance de comprar um. Ao final, uma placa enorme indicava que ali era o novo refeitório, acredito eu, pois o anterior ficava no andar de cima do laboratório que explodiu e causou o incêndio. Ou seja, não restara muito dele para contar a história.

Absolutamente todos os olhares do corredor principal da Fundação Haroldo Santini foram depositados em mim quando pisei no colégio. Alguns rostos eram familiares, outros nem tanto. Aquela parte da escola era dedicada ao Ensino Médio, e deduzi que alguns alunos que eu não conhecia deviam ser do primeiro ano, e mesmo aqueles que não me conheciam não me pouparam de seus olhares de julgamento (e até ódio) enquanto eu caminhava pelo pátio da frente ao lado da minha escolta pessoal, a dizer das duas únicas pessoas que pareciam acreditar na minha inocência.

— Não é tão ruim assim. — Dolores parecia querer me encorajar, mas eu permanecia petrificada, e a cada minuto as minhas intenções de cruzar os portões da Fundação e atender às aulas se reduziam exponencialmente.

— Porque não é você que está sendo tratado como a Suzane Von Richthofen. — rebati, mau humorada. Ao perceber meu incômodo por estar sem uniforme, João me ofereceu seu moletom, e eu aceitei, pensando que eu faria bom uso daquele capuz enquanto circulasse sozinha pelo colégio. João, animado, no seu maior estilo comediante barato, falou:

— Não seja convencida. A Suzane é uma assassina, você só... fingiu que morreu. Ela é bem mais hardcore que você. — insira aqui a onomatopeia de risadas dos seriados de comédia americana.

— Ah, claro, e isso é perfeitamente normal.

— Engole o choro, Vale. — devolveu ele, ainda brincalhão — Nada disso aconteceria se você não tivesse fugido.

— Ai. — bati com meu caderno no ombro esquerdo daquele idiota — Bela forma de me consolar.

— Não foi isso que eu quis dizer. — João se retratou automaticamente, claramente despreparado para lidar com uma situação delicada como aquela — Você vai ficar bem, e só ignorar as pessoas que... bem, todas elas.

Eu não sabia ao certo se eu ficaria bem. Mesmo sabendo da minha inocência, era difícil olhar à minha volta e dar de cara com os prédios laterais da Fundação que não haviam sido restaurados ainda, completamente destruídos. Ou perceber que alguns dos alunos tinham marcas de queimaduras como as de João Pedro: já cicatrizadas e indolores, mas perfeitamente visíveis. Cheguei a me perguntar se algum dia as cicatrizes sumiriam, de João e dos outros. Sem mencionar o enorme memorial do incêndio, uma placa de aço com os nomes das quase cinquenta vítimas fatais da tragédia, logo na entrada.

Quem Brinca Com FogoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora