03.1 | ou ❝eu sou joão jordan❞

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Por mais que eu detestasse admitir, a minha advogada sabia mesmo o que estava fazendo. Era impressionante o que alguns passeios com Marvin, e algumas idas até a lanchonete para jantar com meu pai e meu tio, em vez de comer apenas os sanduíches para viagem que Arthur trazia depois do expediente, fizeram em favor da minha reputação.

Não que a tabloidização dos jornais de Viveiro fosse mudar só porque agora as notícias sobre mim eram "Valéria Corrêa atira biscoitos para o seu labrador" ou "Valéria Corrêa come hambúrguer vegetariano na lanchonete de seu pai".

Só que agora ninguém mais achava que eu estava me escondendo, o que era maravilhoso não só para a tal reputação que a Dra. Mônica insistia ser importante para o caso, mas também para que os fotógrafos se cansassem de mim e sumissem da minha porta.

Enfim, em paz.

Ou tão em paz quanto eu poderia estar, sendo a manhã do depoimento de João.

Eu não tinha muito o que fazer a não ser esperar. Contudo, eu já tinha atingido aquele ponto em que eu não me importava com o desfecho, senão meramente com o fim de toda aquela angústia. E nem Dra. Mônica, nem meu pai, nem ninguém poderia me convencer a me fazer de boa moça naquele dia, e todos resolveram seguir a vida e continuar com suas atividades cotianas para me deixar sozinha o dia todo.

Eu só queria ficar no meu terraço, tomando sol na espreguiçadeira estrategicamente posicionada lá, enquanto eu entornava um delicioso suco de maracujá goela abaixo e lia uns poemas de um livro da Sylvia Plath que eu roubara da estante da minha mãe pouco antes de deixar Vitória.

Aquele dia levou uns cinco dias para passar. Mas passou.

E lá pelas cinco da tarde, quando eu me toquei que ficar quase oito horas no sol não era bom para uma pessoa, a menos que ela pretenda desenvolver câncer de pele, eu decidi que estava na hora de recolher tudo e voltar para o meu quarto. Joguei uma camiseta por cima de roupa de banho, desci as escadas do terraço para o corredor que dava para o meu quarto, e quase tive um infarto do miocárdio quando passei pela porta.

Bem no meio do meu quarto estava João Pedro Jordan.

O cabelo escuro de João estava maior. A parte da frente quase cobria suas sobrancelhas grossas, e de alguma forma toda aquela moldura de rosto destacava seus olhos castanho avermelhados. Vestia uma calça de moletom e botas de camurça bege, uma coisa que era meio rapper. Estava de braços cruzados, e eu não pude deixar de reparar nos músculos que saltavam por debaixo de camiseta, que definitivamente não estavam ali na última vez em que o vira, em Vitória.

Conclui que ele devia ter parado de jogar futebol por causa das queimaduras na época – assim como Lucas, João também era um atacante, seja lá o que isso queira dizer; as cicatrizes ainda estavam lá, mas as feridas não estavam mais abertas.

Afastei esse pensamento metafórico e respirei fundo três ou quatro vezes.

— Como você entrou aqui?

— Pulei a varanda. — ele deu de ombros. Era quase cômico: o que antes era tão natural, já que Nicholas pulava a minha varanda o tempo todo nos áureos tempos, agora parecia um tanto assustador.

— Você quer me matar do coração. — exclamei, levando a mão ao peito, só para sentir o sambódromo que estava acontecendo nos meus batimentos cardíacos.

— Vale, se eu quisesse te matar, eu certamente escolheria uma forma mais dolorosa de fazê-lo do que através de um susto.

— Eu não sei se você está brincando. — deixei escapar com sinceridade. João tinha uma expressão séria que não lhe caía bem.

Quem Brinca Com FogoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora