03.2 | ou ❝eu sou joão jordan❞

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Meu sangue ferveu. Havia mais de ano que eu não conversava com Dolores, e eu não sabia em que termos estava a nossa amizade, mas isso não significava que eu ia deixar o João ser o Putão de sempre, bem debaixo do meu nariz.

Stella era o nome que brilhava na tela do celular de.

Desci as escadas da minha casa dois degraus de cada vez, porque eu não ia arriscar pular a varanda e dar de cara com Nicholas. Passei pela porta da frente e dei graças a Deus por não ter nenhum fotógrafo na espreita. Não queria lidar com o esporro da minha advogada caso saísse no jornal da manhã o meu conluio com João Pedro.

Como eu sabia que ele estaria acordado, toquei a campainha e esperei alguns segundo até que a porta se abrisse.

Só Valéria Corrêa mesmo para achar que tinha alguma chance de não ser Nicholas Jordan a pessoa a atender a porta daquele instante.

— Nick! — eu exclamei como quem deixa escapar um soluço. Ele já estava em seus pijamas de flanela, tinha o mesmo corte de cabelo da última vez que eu o vi, e a mesma expressão de desprezo profundo nas linhas do rosto.

— O que você está fazendo aqui? — sua voz saía como se quisesse me causar dor física. Eu podia sentir o sangue como ácido nas minhas veias, e meu rosto queimando de vergonha.

— João esqueceu... — eu levantei o celular de João na altura do rosto, para indicar que eu só queria devolvê-lo e voltar para o conforto das minhas cobertas, onde nem o vento gélido do desprezo de Nicholas poderia me atingir.

— Eu devia saber que ele não ia aguentar cinco minutos depois do depoimento para ir atrás de você. — ele parecia contrariado, e eu deduzi que aquilo tinha sido motivo de discussão entre os irmãos Jordan, provavelmente mais de uma vez.

— Eu... não sei o que dizer.

— Que atípico. Você sempre tem a desculpa perfeita para tudo.

— Você não tem que me tratar assim, sabe. Ia te matar ser legal comigo?

— Talvez não. Mas o incêndio que você causou, talvez sim. Afinal, você quase chegou bem perto de matar o João, e ainda assim ele fica atrás de você igual um cachorrinho.

— Ele é um bom amigo. — falei entredentes — Sabe que eu não fiz nada.

— Ele é um bom otário, isso sim. Mas isso eu já esperava dele. — Nicholas estava com os punhos cerrados, e isso era apavorante. Não porque eu acreditava que ele fosse capaz de me machucar, porque Nicholas não era assim. Era só... difícil ver a pessoa mais contida que eu já conhecera expressar todo esse ódio. — O que me impressiona é você ter conseguido convencer até o Alan de qualquer que seja a historinha que está contando para se safar.

— Nicholas, eu não fiz isso. Se você deixasse eu me explicar...

— Engraçado como só agora que sua casa caiu você pensou em me explicar alguma coisa. Quando eu estava trancado em casa por meses, achando que você tinha morrido na porra do incêndio que você mesma causou, não. Não! Melhor se mandar pro litoral e ficar tomando água de coco na praia enquanto todo mundo se fode para tentar fazer com que a vida volte ao normal.

— Eu não estou te reconhecendo.

Meu bom Nicholas, educado e polido, centrado, complexo, tinha se transformado em...

Bem, em uma versão piorada de mim.

Arisco, na defensiva, tirador de conclusões precipitadas. Tudo o que eu mais odiava em mim, agora fazia parte de quem costumava ser a minha pessoa preferida no mundo.

— Já entregou o celular. Você pode ir agora. — cuspiu ele enquanto tomava o aparelho da minha mão, fechado a porta bem no meu nariz logo em seguida.

Eu me senti como se uma boa parte da minha felicidade tivesse sido abocanhada e levada embora, e eu nunca mais me sentiria bem novamente. Tentei não me importar. Tentei afastar da mente aqueles olhos prensados em desprezo profundo, mas era culpa minha.

Eu tinha todas as condições de prever que ele não seria nem cordial comigo.

Talvez eu estivesse confundindo a realidade como é com a realidade como era há alguns anos, quando eu podia bater à porta dos Jordan a qualquer hora e seria bem-vinda por eles. Mas eu tinha causado prejuízos demais àquela família, e só João, que tinha um coração grande demais para seu próprio bem, tinha capacidade para me perdoar.

Corri de volta para minha casa e me tranquei no quarto, sentindo que meus pulmões pesavam mais do que eu conseguia carregar. Eu digitei no telefone a única sequência de números que eu sabia de cor. Precisava ouvir a voz dele, seu sotaque e suas piadas ruins sobre o quão patética eu conseguia ser. Precisava ouvi-lo xingar Nicholas tanto quanto fosse necessário, até que ele se acalmasse do pensamento de que alguém tinha me feito mal.

O telefone chamou algumas vezes.

Mas ninguém estava do outro lado da linha.

Disquei de novo. Lucas devia estar ocupado, e eu realmente detestava incomodar, mas eu queria ouvir pelo menos um "boa noite" dito por ele.

Só que não obtive resposta. E eu liguei, e liguei, e liguei.

Mesmo assim, Lucas não me atendeu.

Quem Brinca Com FogoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora