Capítulo 27 - O exército

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Apesar de não ser noite de sabá, Andy ajeitou o medalhão sobre a barriga, colocou o capuz sobre a cabeça e mirou a grande queda que, segundo ele, foi sua última como rei de Elderwood.

— Esteja com seu discurso pronto, Corvo. — falou com dureza antes de fechar os olhos.

— Sim, Senhor — respondeu Gael, sentado ao meu lado no lugar de onde eu sempre acompanhava o ritual.

Ah, mais um belo espetáculo iria começar. Meu marido, que já se impressionava com tudo, ficaria em êxtase.

Andy começou a recitar seus encantamentos na língua dos dragões. Eram tantas palavras, ditas tão rápido, com um tom de voz tão específico. Perguntava-me se algum dia teria a capacidade de decorar um encantamento tão grande, abraçada à bolsa contendo todas as poções que meu mestre havia dado. Tudo que pensava é que eu deveria ter aprendido mais com ele, mesmo que sim, eu tenha aprendido bastante. Tê-lo sempre ao meu lado, porém, me deixou um tanto acomodada, admito. Agora seria um novo momento de me redescobrir como feiticeira, como fiz quando adolescente, sozinha e faminta, contando apenas com os livros das Cinco Bruxas. E, mais do que nunca, não sabia se Andy tinha sido o homem que, na minha vida, me dera poder ou amor, e por que diabos saber disso era tão importante.

As nuvens se arrastaram em uma lenta procissão, dominando o céu. Ao se aproximarem umas das outras, raios arrebentavam sobre nossas cabeças, e logo sentiu-se o primeiro estrondo do chão, um grande tremor. Lembrei-me da primeira vez - como sempre acontece quando tememos estar vivendo algo pela última vez - quando senti o chão chacoalhar assim e acreditei ser o início de um terremoto. Vinte longos anos se passaram e meus corvos até hoje ficavam apavorados. Gael segurava minha mão com força e seus olhos brilhavam, seu sorriso era de puro encantamento. Ele era um garoto novamente. Então sussurrou em meu ouvido, para que Andy não ouvisse:

— Disse que o conheceu assim?

— Ele sabe impressionar uma garota. — sussurrei, nostálgica.

Gael não sabia de nossas piadas internas, nem que Andy era alguém tão reservado e difícil, tanto que seu próximo cochicho continha um tom de decepção:

— Quer dizer que ele não gostou da nossa brincadeira?

— E eu achando que o padre dessa relação fosse você.

— Ele parecia estar curtindo tanto.

— Ele estava. Mas é um cabeça dura idiota.

Ele sorriu, deitando a cabeça em meu ombro:

— Ele só está com ciúme, meu amor. Uma hora ele acostuma com a ideia e volta para nós. E vamos recebê-lo no Palácio do Eden, de asas abertas... — suspirou.

Foi quando a névoa subiu e as nuvens se espalharam pelo chão, deixando Gael ainda mais fascinado:

— Como é possível?

Aproximou-se da beirada, silencioso, vendo os relâmpagos lá em baixo. Seu sorriso já não era de menino, era rasgado, quase psicótico. Andy terminava o encantamento de abertura, raios o ligavam ao Portal, ele respirava fundo pelo cansaço. Suas energias não estavam no auge, não era sabá, afinal, mas, para nossa glória ele tinha conseguido. Gael observava as criaturas saltando para além das brumas, gritando por socorro, agarrando-se às encostas de pedra como se suas vidas dependessem disso. Podia reparar que elas fugiam de algo terrível, mas esse algo era misterioso. Foi então que tudo mudou: vislumbrou um clarão, um flash, um segundo congelado no tempo e espaço, mas nele pôde ver toda a imensidão do túnel para baixo, toda a incandescência da "fornalha divina", todo o inenarrável desespero dos condenados. Arrepiado, afastou-se da borda, pálido:

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⏰ Last updated: Dec 07, 2018 ⏰

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A Rainha dos CorvosWhere stories live. Discover now