Capítulo 24 - A aliança

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— Venha, meu amor — estendi a mão a ele, ajudando-o a se levantar — que a vida ainda será muito longa para nós dois.

A cura trazida pelo vampiro o tinha deixado forte e Jonas, agora chamado Gael, ergueu seu corpo sem dificuldade e o colou ao meu. Não lembrava tão bem da sua altura, agora notava, não tinha de olhar tão para o alto para encontrar seus olhos. Acariciei seu rosto, percorri seus úmidos e longos cabelos pretos colados em mechas bagunçadas, deslizei os dedos pelos seus lábios. Ele agora era um adulto, embora ainda muito jovem. Tinha os traços mais maduros, um resquício de barba no queixo, os olhos mais sofridos, mas ainda era suave como um amanhecer. E eu beijei aquele novo homem, saudosa, sedenta. Seus braços me enlaçaram, cada vez mais, até espremer-me em um delicioso abraço. As asas negras envolveram a nós dois, criando um casulo de escuridão, um mundo só para nós dois e aquilo foi simplesmente mágico.

— Eu te amo — sussurrei junto aos seus lábios e senti aquele sorriso de dentes pequeninos se abrindo junto ao meu como em tantas noites desejei ter novamente.

— E eu te amo perdidamente, minha Lilith.

Fomos para fora, de mãos enlaçadas, enfrentando a chuva menos pesada, mas ainda insistente. Tiramos nossas roupas e entramos na nascente, junto ao meu altar, para lavar todo aquele sangue e lama de seu corpo. Eu o batizei pelas graças da Deusa, eu o declarei o Grande Corvo encarnado, nós fizemos amor dedicando todo nosso prazer à blasfêmia do Deus injusto que agora odiava a nós dois. Ele mal cabia no regato, suas asas negras eram lindamente inadequadas a qualquer espaço. Eu as acariciei e elas a mim.

E assim como poucos instantes bastaram para transformar o Paraíso de Gael no seu inferno, poucas horas de prazer o levaram novamente ao Céu.

Não dormimos aquela noite também: mais uma madrugada em claro para meu amante. Não ouvi de sua voz, porém, uma reclamação sequer. Madrugamos limpando a casa de todo aquele sangue, nos amando, conversando sobre tudo que tinha acontecido fora das Muralhas durante seus anos de clausura: minhas conquistas, o exército, as máscaras, as Amazonas, o Portal do Abismo... Gael ouvia tudo de olhos vívidos.

Ao despontar do novo amanhecer, quando a chuva da noite passada se resumia ao brilho cintilante das folhas molhadas, pude observar todos os detalhes das asas do meu amado, cada uma de suas penas de tamanho impressionante, seu brilho azulado magnífico... assim como todas as cicatrizes causadas pelo cilício e pela chibata, e toda palidez da pele do jovem privado por quase cinco anos da luz do sol. Que crime. Meus corvos nos observaram, rodearam Gael em um corvejar insistente e animado. Era como se realmente vissem nele um enorme semelhante pronto para se unir ao bando.

Havia algo além de asas negras gigantes excitando-os, porém, isso logo pôde ser notado. Eles foram se reunindo seguindo em direção às copas das árvores mais para dentro da mata, na trilha próxima do regato, local pelo qual chegavam todos que vinham me visitar. Caminhei com Gael, curiosa, até observar a copa do grande mata-peste decorado com mais de oito corpos de soldados de Yaryar pendurados pelos pescoços. Estes, além de quebrados, tinham também grandes feridas de dentes. Pendurada mais a baixo, uma máscara símbolo da nossa resistência.

Olhamos assustados ao redor, mas não havia ninguém lá. Quem os matou tinha problemas com o sol. Engoli seco, mas depois sorri:

— Bem... Que comece a revolução!

Aproveitei que minhas crianças nos cercavam e ordenei a eles:

— Quero que vão a todos os vilarejos, busquem as Amazonas, os aldeãos, os Forasteiros... Todos! Anunciem que esta noite nos reuniremos na tribo do Grande Rio e lá eles conhecerão o Grande Corvo! E que deverão prestar seu juramento novamente, aos seus pés! Andem, espalhem a notícia!

A Rainha dos CorvosWhere stories live. Discover now