Capítulo 9 - Hadiyaddii abeesada

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Amassei as sementes na tigela com cuidado, toda rigidez tornando em pasta, o vermelho sanguíneo colando no pilão, brilhando aos meus olhos. Misturei a tintura aos óleos perfumados e apliquei sobre os cabelos, em uma massagem. Amando-me, sentindo-me fabulosa. Há um ano eu retocava o ruivo a cada duas semanas. Não conseguia deixar minhas mechas com a cor do fogo como as daquela que ainda acredito ser minha antiga encarnação, assim como não conseguia ter seus lindos cachos, apenas os cabelos escorridos naturais às mestiças da mata. Mas ver-me com os cabelos cor de sangue, ainda assim, me fazia muito bem.

Minha pele também nada lembrava a louça salpicada de cobre de Valquíria e seus descendentes, como o Rei Jeremias que tanto sonhava destituir, aliás, destruir. Minha pele é dourada, meu corpo é rígido e forte, mas confesso: quanto a isso, sou pura satisfação.

Espalhei livros em diversas bolsas que costurei com a lona da minha antiga tenda e entreguei aos corvos.

— O que acha de hoje irmos até as tribos ao noroeste, aquelas próximas ao rio? Não sei exatamente onde ficam, mas vocês descobrem. — Toquei a ponta do dedo em um adorável bico preto e tive uma resposta simpática e rouca — Provavelmente vou acabar dormindo ao relento... — suspirei — Ossos do ofício.

Coloquei a velha manta de lã enrolada às minhas tralhas e parti, meus fieis companheiros levando os livros pelo céu diurno, encontrando para mim as trilhas mais seguras.

Estava nessa peregrinação no último ano, levando as letras a todos de fora da Muralha, pacientemente alfabetizando todo homem, mulher, criança ou idoso que encontrasse. Fazendo meu nome. Alimentando o desejo de mudança em gente pobre e desesperançosa. Vendendo inconformidade, agitando estruturas. Vendendo meus sonhos.


— Eu vou fazer aqueles que cuspiram em mim beijarem meus pés — disse a Andy, um tempo antes, em frente a mais uma fulgurante fogueira — Isso não é um desejo, é uma meta. É uma profecia que lancei a mim mesma.

Às vezes toda a sua resposta era me estudar em silêncio. Sentia que ele me julgava, talvez apenas por estar acostumada a ser julgada, acostumada com seu papo de simplicidade e relação íntima com a magia, em sua hipocrisia de quem já conquistou o mundo e hoje fingia que isso não era grande coisa.

— Eu sei que, seja qual for seu plano secreto com seu Portal — continuei — no fundo desses olhos verdes só brilha uma coisa: vingança. Quem é você para dizer que a sua vingança vale mais que a minha?

Ele molhou os lábios, deixou-se perder em pensamentos e isso era quase um código de que eu estava certa, mas era feio admitir.

— Você quer ser rainha — disse, didático — mas quem mais deseja isso, além de você? O que te faz acreditar que sua vingança vale mais que a estabilidade de um Sistema que já dura três Séculos? É assim que vai vender a revolução? "Cuspiram em mim, saquem as espadas e morram pela minha honra"? Eles sequer sabem lutar?

Arregalei os olhos e paralisei: droga. Sua intenção não era me desafiar no mau sentido, ou ridicularizar meus planos, ele colocava em minha frente uma realidade. Por isso continuou:

— Você pode fazer a revolução que quiser, tomar o trono com toda facilidade, mas só uma coisa é capaz de te manter sobre ele: aliados. Se você não for capaz de fazer com que outros sonhem seu sonho como se fosse deles, pode esquecê-lo.


Por isso, mais que aos meus próprios feitiços naquele momento, tratei de me dedicar ao meu futuro exército. À propaganda. Não era um processo rápido, por isso mesmo não tinha pressa. Cativei um passante aqui, uma família em necessidade ali... Levava meus livros para passear pelas aldeias, deixava as crianças acariciarem as plumas de meus corvos, dava aulas e lia destinos gratuitamente: toquei o coração de pessoas. Doei os legumes da minha horta para bocas famintas, plantei gratidão. Exercitei minha liderança.

A Rainha dos CorvosDonde viven las historias. Descúbrelo ahora