Capítulo 16 - Um deles

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O Portal relampejava entre as montanhas no dia nublado que antecedia à noite de Samhain. Andy me permitia há vários anos estar junto dele durante todo o ritual, do início ao fim. Cerca de uma hora apenas, até o principal mensageiro aparecer. Eu adorava presenciar aquilo.

Não podia participar ativamente, segundo ele, qualquer erro de pronúncia ou hesitação, poderia resultar em um desastre incalculável. Era uma pena, mas eu acreditava nele. Já tinha evoluído muito, mas não era de seu nível secular. Quem sabe um dia.

Dessa vez Andy tinha atraído um dragão das profundezas. Mesmo sendo um dragão, pois assim se apresentou, ele não tinha escamas: era uma espécie de pele humana, só que mais grosseira. Era uma visão grotesca, de virar o estômago. Lembrava um morcego de pescoço alongado, mas de proporções assustadoras, com dentes afiados que escapavam ao tamanho da boca deformada. Prostrou-se diante do mago, depois de circular ao nosso redor em vôo ameaçador. Andy mantinha uma firmeza de espírito admirável diante deles. Sua postura e energia fazia tremer a mais horrenda das criaturas. Ah, se ele usasse isso a meu favor...

— Criatura das Profundezas — ele disse — por que nome responde?

— Sou o dragão Samsel, meu Senhor.

— Tenho algumas perguntas, Samsel, e um pedido.

Era essa mesma conversa, todas as vezes, pelo que aprendi. Andy abria o Portal em todos os Sabás, pois, segundo ele, sua energia estava em total potência nesses dias. Seis Portais por ano. 

— Conhece os Três Demônios Brancos? — perguntava.

— Sim, Senhor.

Quase todos conheciam.

— E Myako? Conhece Myako?

— Sim, Senhor.

Choque. Nós dois arqueamos as sobrancelhas. Andy até repetiu:

— Está dizendo que conhece Myako?

— Conheço.

Andy paralisou, sua energia até fraquejou por um instante, o Portal escureceu inteiro e voltou em um relâmpago assustador. Era fácil a mim compreender sua emoção: ele estava há mais de vinte anos fazendo esse ritual, essas perguntas, e nunca tinha tido essa resposta! Até seu roteiro teve de ser mudado às pressas.

— De onde o conhece? O que ele é?

— Eu o conheço dos Abismos, Senhor. Ele é um feiticeiro, ou melhor, um curandeiro. É amigo do Guardião da Chave.

— E sabe onde encontrá-lo?

— Não sei. Mas se estiver com o Guardião da Chave, está na Terra.

— Há quanto tempo?

— Não temos noção do tempo lá em baixo, Senhor. Em que ano estamos aqui? — perguntou a criatura horrenda, e isso me deu certa piedade de sua situação.

Andy olhou para mim: eu realmente tinha mais noção do tempo do que ele.

— 5793 do Calendário Lunar. — respondi, solene.

— Uau... Eu não volto há muito... muito tempo — o demônio estava deveras perdido. Pobre Diabo. Literalmente.

Andy voltou ao assunto que realmente o importava:

— Se encontrar Myako na Terra, consegue reconhecê-lo?

— Sim, Senhor.

— E pode trazê-lo até mim?

A Rainha dos CorvosWhere stories live. Discover now