Capítulo 14 - Jonas

16 2 2
                                    


Preparei um chá, servi nas xícaras que eu mesma modelei e queimei no meu quintal. Reparei que ele gostou da peça, ficou observando. Ele era assim, demorava o olhar em tudo. Tudo era novo, lindo, intrigante para ele. E ele era novo, lindo e intrigante para mim, que já tinha visto de tudo. Eu tinha colocado o vestido, ele apenas a cueca. A noite já tinha caído lá fora, mas havia luar, e seu brilho azul era refletido em seus cabelos pretos.

— Vocês não têm luz elétrica. Parece que vocês vivem em outra época aqui. — comentou, vendo-me acender as velas.

Então reparou que eu as acendia dando ordens verbais em sussurros e ficou extasiado.

— Eu nunca tive certeza se bruxas realmente existiam. — confessou — Ouvi as histórias sobre a rainha Valquíria, mas para quem viveu sendo cercado por alegorias bíblicas, nunca tive certeza se ela era uma personagem real ou fantasiosa.

Apoiei meus quadris contra uma das janelas abertas, sentindo o frescor da noite, assoprei devagar o vapor da xícara e perguntei, séria:

— Se eu te dissesse que sou a reencarnação de Valquíria, você acreditaria em mim?

— Com toda certeza!

Ah, sim... Sim, Jonas. É assim que se conquista meu coração.

— Eu quero meu trono de volta. Você me ajudaria?

Isso o fez cair em um silêncio pensativo.

— Eu... Eu não sei como faria isso. Sou um órfão sem importância. A minha insegurança me arrastou até aqui. A Igreja me dominou. Me deitar com você foi praticamente a primeira decisão que tomei por conta própria em toda a minha vida.

Foi então que conheci sua história:

Jonas foi abandonado em um caminho sem escalas, desde o ventre de alguma desesperada, diretamente para as portas do Convento. Não tinha nem sido dado seu primeiro banho. As freiras o acolheram, cuidaram para que sobrevivesse, lhe deram o nome do profeta engolido pela baleia, e o deglutiram, a seu modo, com toda a disciplina com que órfãos são digeridos pelas instituições religiosas.

Jonas sempre foi uma criança ativa, perguntadora, ansiosa por saber de tudo e tudo experimentar, mas as restrições ao seu redor o forçavam a ler e reler apenas a Bíblia, dia e noite. Foi quando começou a decorar versículos aos quais normalmente ninguém dava importância e assim impressionar os superiores.

— Se você decora o que ninguém se lembra direito, passa a impressão de que sabe a Bíblia inteirinha. — confessou, rindo.

Assim, com esse pensamento ardiloso e necessidade de se divertir, mesmo que sozinho, Jonas cresceu aos olhos dos padres que, talvez até de propósito, trataram de cercá-lo com o estudo teológico, ao mesmo tempo em que mal o apresentavam aos candidatos para serem seus pais.

— Sentia que eles tinham um certo... ciúme de mim, talvez.

Mesmo que não dissesse isso em palavras claras, não me escapou a impressão de que o pequeno Jonas chamasse a atenção no Orfanato de Meninos da mesma forma que chamou a minha. Essa malícia que rapidamente era disfarçada em frases certinhas, alternando inocência e depravação: ah sim, os padres deviam ser loucos por ele. Certamente seria adotado muito rápido, por isso o esconderam.

Quinze anos era a data limite para adoção nas instituições de Yaryar. Neste momento os adolescentes que não tinham conseguido um lar eram forçados a escolher: ou seguiriam as vidas sozinhos, para fora das Muralhas – já que podiam acabar virando indigentes nas ruas higienistas da cidade, por não terem nenhum teto os esperando do lado de fora do orfanato -, ou seguiriam a vida religiosa, indo avançar seus estudos teológicos no internato, tornando-se seminaristas. Jonas sentiu-se extremamente dividido.

A Rainha dos CorvosWhere stories live. Discover now