Capítulo 7 - A bruxa que eu deveria ser

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— Reintroduzo nossa irmã a esta Roda, de onde jamais deveria ter saído. — Sua mão fria agarrava a minha com fé. Seus olhos fortemente fechados e a cabeça baixa em devoção colocavam peso em cada palavra — Comprometo-me a completar sua jornada de onde foi interrompida. — Olhou-me longamente, vendo em mim não Sigrid, mas alguém que ele conheceu em outras eras — Peço perdão pelos meus tantos erros e permissão para guiá-la pelas trilhas da Deusa Mãe.

— Estamos nos casando? — perguntei, em tom de brincadeira, mas verdadeiramente em dúvida.

Ele sorriu:

— Estamos diante delas, as suas e minhas mestras. Estou pedindo a permissão de continuar os seus estudos.

Inquieta de empolgação, roguei à roda silenciosa:

— Oh, por favor, aceitem!

O bruxo sorriu com aquela condescendência que se dedicam às crianças. Voltou a fechar os olhos. Aquilo tinha um significado para ele que eu só descobriria dali muito tempo, e tudo que eu poderia fazer no momento era ter paciência. Cada ensinamento, cada verdade, era ele que me revelaria a partir de agora, apenas quando achasse justo. Mas era um compromisso que fechávamos ali, mesmo que não fosse um casamento, e isso me fazia sentir-se imensamente especial.

— O Deus está morto. — ele continuou, agora no mais puro e antigo Samhain — Suas cinzas nutrem a terra e nós, do outro lado do véu, o acolhemos em respeito e oração. — Algo me dizia que eu não estava incluída nessa parte, e a mão fria de meu novo mestre junto à minha tomou um sentido sinistro, arrepiando toda a minha pele — Oh, Deusa, aguardaremos até que a seiva de teus rios volte a correr dentro daqueles que renascem no amanhecer do novo Ciclo. Confiamos no teu amor pedindo calor e alimento para as próximas Treze Luas, ao renascer de teu Consorte em Glória e Luz.

Entrega, era o que eu via e sentia. Aquele homem vivia sua fé e sua relação com a Deusa era quase palpável, quase carnal. Terminamos os rituais respeitosamente, de forma suave e bela, relevando detalhes estranhos como o fato dele preferir carregar as taças e frutas pelo ar para me servir, algo que de certo era tão comum em seu cotidiano que ele nem imaginou que pudesse me assustar. Ah sim, e quando deveríamos dividir a maçã entre nós, em tom resignado, ele falou:

— Eu não consigo.

— Não consegue o quê?

— Comer. Ofereço minha parte aos corvos, eles gostam de maçã?

— Eles gostam de se sentir incluídos.

Fomos até lá fora e não só aquela metade, como mais diversas maçãs foram ofertadas aos pequenos que crocitavam animados junto às últimas gotas da chuva que logo cessou.

O mago nos acompanhou de volta por boa parte do caminho, segundo ele, me resguardando dos fugitivos de seu portal que saem sempre muito assustados e famintos. Minha segurança era importante, ele dizia, e justamente por isso não queria que eu repousasse em seu lar, por mais que eu insistisse na ideia.

— Quando posso te reencontrar? — minha voz derreteu na encruzilhada, as mãos deslizando por seus braços, o tecido um pouco molhado pelas gotas que as folhas tinham guardado da tempestade.

— Quando encontrava Lilith?

— Todas as noites.

Ele pensou. Comprimiu os lábios:

— Não é seguro. — disse, mais a si mesmo que a mim.

— Quando então?

Quase todas as noites. — sorriu, e afastou-se, minhas mãos deslizando até as suas, até que desaparecesse na escuridão.

A Rainha dos CorvosWaar verhalen tot leven komen. Ontdek het nu