Capítulo 18 - Devoradoras de homens

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Rodeada pelos meus fiéis corvos, certificando de todas as formas possíveis que não seria atacada pelas costas ou de qualquer outro ângulo, sentei em um tronco caído, sendo acompanhada por toda aquela horrenda multidão. Conversaríamos.

— Vocês escaparam por um grande Portal, relampejante como uma tempestade, ligando nossos mundos, correto?

— Sim — disse a grande mulher de três cabeças.

— Antes disso padeciam do mais puro e interminável suplício no interior da Terra. O que conhecemos como Inferno.

Todos se entreolharam, consentindo. Em seus semblantes todos havia uma terrível ansiedade, apenas não maior que o medo de voltar ao buraco fétido de sua origem. E como todos que têm medo, eles emanavam agressividade. Meu sangue frio para sentar ali, toda solene, surpreendia até a mim. Eram muitos dentes afiados e olhos flamejantes virados em minha direção.

— Agora — continuei — a informação de quem é o vosso libertador é nova a vocês. Vi que fugiam sem nem olhar para cima, nem um leve relance sequer. O que é compreensível, ainda que decepcionante — entortei os lábios fingindo frustração.

— Quem nos tirou de lá? — a voz era de uma rouquidão cavernosa e vinha do homem de cabeça de lobo — Por que ele fez isso?

— Isso é bastante complexo, meus amigos... hm... como poderia chamá-los?

— Nos chamavam de penitentes.

— De prisioneiros.

— De escória! — gritou um pequeno.

Voltou-me à memória o momento em que, perdida, de olhos fechados, na escuridão, perguntei às feras seus nomes. Disse que a Deusa os protegeria. "Se vocês têm nome, me digam agora, e eu os bendirei em nome da Deusa!" E lá estava eu, pronta a refazer a promessa. Gostava muito desses momentos em que podia ver claramente as voltas dadas pela vida.

— E como desejam ser chamados pelo seu libertador? — perguntei, o sorriso nostálgico nos lábios.

Isso fez seus olhos faiscarem. Há quantos séculos alguém não os respeitava como humanos?

— Forasteiros — sorriu a mulher enorme, seus assustadores três sorrisos.

Eles riram, concordaram. "Forasteiros" significava que não eram de lá, o que obviamente não eram, mas também não era assim tão depreciativo. Fora que dava um ar de foras-da-lei bem interessante para aquele bando.

— Pois bem, Forasteiros, me apresento também: meu nome é Sigrid. Sou uma bruxa de grande distinção, a Rainha dos Corvos, como podem observar. — mostrei meus pequeninos ao meu redor — Quem vos libertou foi um poderoso Feiticeiro, por ordem de nosso glorioso guia e Senhor: o Grande Corvo.

— O Grande Corvo? — estranharam.

— Sim. O Grande Corvo, nunca ouviram falar dele? — Fingi novamente estar injuriada — Entidade da Noite eterna, enviado para interceder por vocês. Fazer a Divina Apelação sobre as penas injustas imputadas pelo Deus Único.

Oh, não, não pensem que eu estava improvisando. Quantos dias passei na vida criando esse discurso. A diferença dessa para sua primeira versão, é que antes Andy seria o grande salvador, o futuro rei, o Divino interventor. Mas ele nunca quis aceitar esse papel, portanto o Grande Corvo tomou seu lugar. Não sabia se ele chegaria a ser real, se passaria do plano das Almas Guias ao plano físico, o fato é que ele estava nas visões que tive com Jonas. E a Deusa nunca erra, não é?

— Como ele vai interceder por nós? — a mulher perguntou.

— Ele já intercedeu — sorri, graciosa — Ou acha que foi por acaso que, de todas as almas sofredoras do Inferno, justamente vocês estejam aqui?

A Rainha dos CorvosWhere stories live. Discover now