- Hum... - Ela tamborila a caneta na mesa. - Não, eu quis dizer aqui, em Nova York. Eu sabia que você morava aqui pelo Upper West Side, mas nunca nos cruzamos.

Sinto um aperto no peito. É claro que eu sabia várias coisas sobre ela, mas nunca imaginaria que ela soubesse coisas sobre mim. Estudamos juntas no mesmo colégio interno em Paris, mas passamos as férias em Manhattan. Todo mundo sabe que Lauren mora aqui porque o pai dela é senador pelo estado de Nova York, mas não há nenhuma razão especial para alguém se lembrar de que eu moro aqui também.

- Não saio com muita frequência - admito. - Mas hoje estou morrendo de fome e não tem nada para comer em casa.

Então, sabe-se lá como, me jogo no banco vazio em frente a ela. Meu colar, que tem um pingente em forma de bússola, bate na mesa.

- Arranquei os sisos hoje de manhã e estou tomando um monte de remédios, mas continuo com dor, aí só posso comer coisas moles.

Lauren esboça o primeiro sorriso. Um sentimento de satisfação me invade. Tento sorrir o máximo que consigo, embora a dor dificulte bastante.

- Do que você está rindo? - pergunto.

- Analgésicos. Faz sentido agora.

- Ah, merda! - Bato o joelho na mesa. - Estou tão chapada assim?

Surpresa com a pergunta, ela ri. As pessoas sempre riem quando me ouvem dizer "merda", porque não esperam que uma palavra dessas saia da boca de uma garota tão pequena, delicada e com uma voz tão baixinha, tão meiga.

- Achei mesmo que tinha alguma coisa diferente, só isso.

- Os efeitos colaterais incluem a terrível combinação de exaustão e insônia. E é por isso que estou aqui agora.

Lauren ri de novo.

- Extraí os sisos no verão passado. Amanhã você já vai se sentir melhor.

- Ai, jura?

- Bom, não exatamente amanhã. Mas nos próximos dias.

Nossos sorrisos dão lugar a um silêncio reflexivo. Conversamos pouquíssimas vezes na escola e nunca fora dela. Sou tímida demais, e ela, reservada demais. Além disso, Lauren namorava o mesmo garoto desde... desde sempre, ao que parecia.

Namorava.

Os dois terminaram no mês passado, logo depois de ele ter se formado. Lauren e eu ainda temos o último ano pela frente. Ah, como eu queria que por algum motivo ela se interessasse por mim, mas... não há motivo algum. O ex dela era determinado e extrovertido. Exatamente o oposto de mim. Talvez tenha sido por isso que fiquei surpresa quando, de repente, me vi apontando para o caderno de desenho dela, tentando avidamente prolongar este momento, o milagre que é esta conversa.

- O que você está desenhando aí? - pergunto.

Ela estende os braços para cobrir o desenho, uma espécie de caricatura de Abe Lincoln jovem.

- Ah, eu só estava... rabiscando.

- É o cara que acabou de atender a gente.

Sorrio. Ai!

Lauren parece um pouco encabulada ao recolher os braços e desistir de esconder o desenho. Ela dá de ombros.

- E o casal ali no canto - diz ela.

Não estamos sozinhas, então?

Eu me viro e vejo um casal de meia-idade nos fundos do restaurante, lendo a Village Voice. Não há mais nenhum cliente, então não estou viajando tanto assim. Pelo menos acho que não. Viro-me para Lauren de novo, me sentindo mais corajosa agora.

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