I - Kismet

12.1K 576 324
                                    

É meia-noite, está abafado, e eu devo estar muito dopada por causa dos analgésicos, mas aquela garota - aquela garota bem ali - é ela.

A garota

A postura dela é tão familiar quanto um sonho recorrente. Ombros prostrados para a frente, cabeça inclinada para a direita e nariz a dois centímetros da ponta da caneta. Está concentrada. Meu coração dispara, e fico tão eufórica que chega a doer. Ela está bem perto, a apenas duas mesas de distância, olhando em minha direção. A cafeteria está fervendo. No ar, o aroma agridoce do café se espalha. Três anos de desejo irrompem do meu corpo e saem pela minha boca para formar uma palavra:

- Lauren!

Ela levanta a cabeça imediatamente. Por muito, muito tempo, apenas me encara. Depois... pisca.

- Camila?

- Você se lembra do meu nome...

Abro um sorriso, mas no segundo seguinte me arrependo.

Ai!

Lauren olha ao redor como se estivesse procurando alguém e depois, devagar, pousa a caneta na mesa.

- Hum, é. Fizemos várias aulas juntas.

- Cinco aulas uma ao lado do outra, doze aulas juntas no total.

Uma pausa.

- Certo - diz ela, apreensiva.

Outra pausa.

- Está tudo bem?

Um cara que parece uma versão jovem e cheia de piercings de Abraham Lincoln joga um cardápio plastificado em cima da minha mesa. Não chego nem a olhar as opções e já peço:

- Alguma coisa pastosa, por favor.

Abe coça a barba, intrigado.

- Mas nada de sopa de tomate, mousse de chocolate nem gelatina. Só comi isso hoje.

- Ah. - A expressão de Abe se atenua. - Você está doente.

- Não - respondo.

Ele fecha a cara novamente.

- Ah, deixa pra lá.

E pega o cardápio de volta.

- É alérgica a alguma coisa? Só come alimentos kosher? É vegetariana?

- Hein?

- Vou ver o que tem na cozinha.

E, com isso, ele vai embora. Volto a me concentrar em Lauren, que continua me encarando. Ela olha para seu caderno de desenho, ergue a cabeça, olha para mim, depois volta a olhar para o caderno. É como se estivesse em dúvida se ainda estamos conversando. Abaixo a cabeça também. Começo a ter aquela sensação de que, se eu continuar falando, é provável que amanhã eu me arrependa amargamente.

Mas... é como se eu não conseguisse me conter - e não consigo mesmo, não quando estou perto dela -, então volto a erguer a cabeça. Sinto o sangue pulsando em minhas veias enquanto meus olhos a devoram. O nariz pequeno e bonito com um delicado piercing. Braços modulados e seguros. A pele pálida está ligeiramente bronzeada por conta do verão, e uma pequena parte da tatuagem preta fica à mostra logo abaixo da manga da blusa.

Lauren Jauregui. Minha paixão por ela ultrapassa todos os limites. Ela ergue a cabeça de novo, e sinto minhas bochechas corarem. Fico aliviada quando ela pigarreia e fala:

- Não é estranho que a gente nunca tenha se encontrado antes?

Eu aproveito a deixa:

- Você vem sempre aqui?

Kismet [concluída] Where stories live. Discover now