JANEIRO, 08. 2015.

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Selena sentou-se sobre as mãos enluvadas num banco gelado. Estava nevando de forma preguiçosa, pequenos e espaçados flocos de neve que não eram o suficiente para pintar o ambiente de branco. Mas a neve da madrugada ainda preenchia parte da cidade, e estava presente nas curtas trilhas do parque. Não havia crianças nesse dia. Nem pássaros.

Marcus andou até a borda do lago congelado. Ele tinha as mãos escondidas nos bolsos da calça, seu grande casaco preto revelava somente os sapatos lustrosos. O único contraste às vestimentas pretas eram sua pele pálida e o louro do cabelo. Ele tinha os olhos virados para outro lugar.

Selena estava começando a pensar que deveria ter trago outro casaco e algo para cobrir as orelhas.

Meses atrás, ela delirava com a ideia de finalmente ver, tocar, saborear a neve! Correr na neve! Brincar de guerra de bolas de neve! Construir formas na neve! Dançar na neve! Beijar na neve! Construir um boneco de neve!

Nesse exato momento, ela percebia que não havia nada de particularmente incrível sobre neve. Era gelado o tempo inteiro; e seu rosto ardia, queimava praticamente, com as rajadas de ventania que batiam nele. Mesmo com várias camadas de roupas, ela se sentia congelando. Nem percebeu quando começou a bater os dentes e a tremer.

– Você gostaria de tomar chá? – Marcus realmente perguntou.

E essa definitivamente foi a coisa mais engraçada que ele já havia dito. Selena poderia ter rido se seus dentes não ameaçassem rachar. Ela acenou e o seguiu apresada. Ela quase caiu, mas ele a segurou pelo braço e a soltou antes que ela pudesse se afastar. Ela ficou grata.

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Com as mãos envolvendo uma grande xícara calorosa de chá, ela disse:

– Você sabe que um dia terei que voltar a morar com Liz – começou. Ela estava encarando o papel de parede amarelo berrante do estabelecimento. Ele era pequeno demais para a cor vibrante de suas paredes, e Selena sentiu-se tonta por um momento. – Eu terei aulas... E terei que fazer meus usuais afazeres, como ir à padaria comprar o café da manhã, pegar o ônibus, voltar tarde para casa... – suspirou, já cansada com a perspectiva de voltar à sua rotina. – Eu preciso aprender a me sentir segura sozinha nesta cidade...

– Você está segura – disse Marcus, como se fosse um fato extensamente conhecido.

– O que aconteceu... – ela engoliu o gosto amargo na boca. – Pode acontecer qualquer outro dia. Não precisa nem ser um vampiro em busca de vingança ou sedento por sangue. Às vezes, eu sinto que qualquer homem carrega a possibilidade de me machucar. – Com palavras, com toques, com o tipo de violência que ele escolher, pensou ela.

Ela assistiu os dedos dele baterem na xícara três vezes, então ele se tornou ciente do movimento e enrolou a mão nela. Ele tomou um pequeno gole.

– Eles não a machucarão novamente.

– Como você sabe? Você não pode me proteger vinte e quatro horas por dia! Isso seria, no mínimo, bizarro!

– Eu fiz de Philiph e seus capangas uma lição.

– E para todas as outras pessoas que não compreenderam sua lição? – ela quase gritou. Alguns rostos viraram-se, um misto de desconforto e reprovação em seus olhares. Selena abaixou o olhar para o líquido preto em sua xícara.

– Eu posso quebrar o pescoço delas. – Marcus disse no mesmo tom de voz, como se não estivesse publicamente falando sobre o assassinato de pessoas, mas de outras coisas, como um programa de televisão ruim ou o frio lá fora. Ele bebeu outo gole do seu chá, e soltou um som prazeroso.

– Você não pode resolver tudo com mais violência – murmurou ela.

Ela se sentia corajosa nesse dia.

Ele sorriu de lado, aquele sorriso afiado dele que tinha o poder de feri-la.

– Eu nunca fui um homem revolucionário. Nem mesmo quando o povo lutava contra os nobres, na França. Mas, não minto, eu adorava assistir à decapitação nas praças. O êxtase fervoroso, a cor luxuriosa do vermelho tingindo as ruas. Eu sou uma cria da revolução, indomado e sedento. Não se esqueça disso, Selena.

Para si mesma, ela disse: Como eu poderia me esquecer de algo que nunca soube.

A verdade, contudo, era que ela sempre soube, nas catacumbas sombrias do seu âmago, que Marcus não era uma criatura gentil e carinhosa. Ele tinha um sorriso pontudo, olhos soturnos e um mistério no jeito de se movimentar. Ele era o mistério da esfinge. Se ela não o desvendasse, se tornaria mais uma presa. Contudo, o que aconteceria quando o revelasse por completo?

– Eu não o temo – sussurrou ela. Um segredo que ele já sabia.

– Você acha que eu não a machucaria? – disse ele com um tom de humor no sorriso.

– Se quisesse, já poderia tê-lo feito.

– Talvez eu esteja brincando com você.

– Ou talvez você esteja com medo de admitir a verdade.

– Que seria? – falou ele, em deboche.

Selena deu de ombros.

– A verdade é sua para ser dita.

– A sua psicóloga diz coisas desse tipo?

– Na verdade, ela diz sim – Selena compartilhou um sorriso com ele.

A SIDE: SELENA // Under Your Skin //Onde as histórias ganham vida. Descobre agora