NOVEMBRO, 14. 2014.

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– Você pensou sobre o que conversamos na última sessão?

– Sim... - murmurou Selena. Ela encarou o seu reflexo em um pequeno espelho decorativo na estante. Havia livros em diferentes estados, em diferentes línguas. Selena gostava de tentar decifrar seus títulos quando ficava nervosa, um gesto que a psicóloga já havia denunciado. – Eu não penso que ele tenha controle sobre mim, tipo um controle físico ou mental, sabe. Eu não acho que ele se importe o suficiente para isso. Eu quero dizer... Eu acho que ele se importa comigo, em algum grau. Ele me comprou um vestido... E dançou comigo. Ele falou sobre mim para a sua irmã. Eu acho que ele deva se importar... Mas... O que eu queria dizer é que ele não precisa de mim.

– Ele a controlaria somente se precisasse de você?

– Sim – disse sem certeza. – Eu não sei. Qual o ponto de você tomar controle sobre uma pessoa se você não precisa dela para algo? Mesmo que isso seja só por diversão sádica, não faz sentido.

– Ele ganha sexo da relação entre vocês.

Uma afirmação, percebeu. A sua última psicóloga jamais fazia afirmações.

Selena piscou apresadamente.

– E eu também... Nós realmente vamos voltar a esse tópico?

– Ele a machuca?

– O que? – Selena praticamente pulou da cadeira. Ela enlaçou as mãos para impedi-las de tremer. – Não! Ele não bate em mim!

– Existem outras formas de machucar uma pessoa. Você já se sentiu ameaçada por ele?

– Não! De onde você está tirando essas perguntas ridículas?

– Se isso é tão ridículo por que está tremendo?

– Eu não estou!

Selena reconheceu a mentira na sua voz.

– Há dias em que você usa blusas de manga comprida e passa a sessão puxando as mangas, ou mexendo nos cabelos. No começo, eu pensei que deveria ser a sua forma de esconder o desconforto e insegurança de falar sobre si. Então, eu pensei que deveria estar escondendo cortes nos braços. Mas nada em seu relato denunciou qualquer testemunho de que você teria se cortado. Cheguei a conclusão, portanto, que deveria estar escondendo marcas desse homem.

Fazia sentido, Selena pensou.

Ela respirou forte, devagar.

– Eu fico feliz por saber que você se preocupa comigo. Contudo, se eu estivesse em um relacionamento abusivo, eu saberia. Eu tenho amigos, bons amigos, eles jamais me deixariam ficar com um babaca que abusa de mim. Eles me ajudariam!

– A maioria das mulheres não reconhece que está em um relacionamento abusivo até que alguém a diga. Ou que ela seja espancada até julgar que vai morrer.

– Esse definitivamente não é o meu caso.

– Como você pode ter certeza?


//

Horas mais tarde, Selena deitou-se na cama, um livro aberto à sua frente. Le Fleurs du Mal.

Marcus adentrou quietamente ao seu quarto. Ela apenas o notou quando o colchão afundou com um peso inesperado ao seu lado.

Ele aproximou-se do rosto dela. Ela podia sentir a respiração quente dele tocar sua nuca.

Démon sans pitié! Verse-moi moins de flamme¹ – sussurrou ele.

Ela nunca o havia falar na sua língua materna antes. E o efeito sensual da voz dele combinado com as letras do poema foi como eletricidade irradiando por sua pele.

– Eu não diria que você é o tipo de homem que lê poesia.

– Baudelaire foi a coisa mais interessante que já aconteceu na França em séculos.

Selena riu. Ela revirou o livro atrás de um poema. Aqui!

– Você já leu Le Vampire? – Ao ver o desdem esboçado no sorriso de Marcus, Selena completou – Eu acho que é um lindo e emocionante poema, em que este homem conta a sua história de fascinação com uma mulher, de tal forma que ele se vê escravizado pelo desejo que sente por ela. E ao tentar libertar-se, descobre-se ainda mais preso a ela.

– Eu não sou um vampiro – murmurou ele.

– Você continua a dizer isso. – Selena depositou o livro no criado-mudo próximo à cama. – E eu continuo não entendendo o que você quer dizer. Será que você pode ser menos misterioso?

– Você está com um péssimo humor hoje – comentou ele, com a metade de um sorriso no rosto. Selena bufou para ele.

– É que... – ela soltou o ar com força pela boca. – Eu não quero brigar. Desculpe-me. – Ela ergueu-se com um braço sustentando o peso do corpo, enquanto inclinava-se para beijá-lo suavemente.

– Conte-me o que a perturba.

– Amanhã – murmurou ela, afogando-se no cheiro dele. Os pulmões dela queimavam com lágrimas que escorriam para dentro. – Agora, eu quero que você me beije até que eu esqueça sobre mim.


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¹Démon sans pitié! Verse-moi moins de flamme

 em inglês: O pitiless demon! pour upon me less flame

em tradução livre: Ó demônio impiedoso! Me jogue menos fogo

trecho do poema Sed non satiata do Charlies Baudelaire.


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