||_Ave-do-Paraíso_||

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|Guilherme passou o dia inteiro no Hospital das Madres acompanhando o estado de saúde de Beatriz. Ele dedicou várias horas às orações na capela da casa de saúde que ficava em um espaço anexo ao centro de recuperação. Os jornais impressos e todos os canais de TV acompanhavam as escavações nas grutas do litoral na busca pelo corpo de Iris Almeida. Guilherme se afastou durante o dia e apenas algumas imagens no televisor o levaram novamente aos trabalhos da polícia. Repórteres e policiais dividiam espaço com curiosos e geólogos nas transmissões, e todo aquele tumulto deixava Guilherme com náuseas.
Após um dia inteiro dedicado a Beatriz e às más notícias sobre o estado de saúde da menina, Elen de Menezes trouxe a notícia sobre os trabalhos dos investigadores, o corpo de Iris Almeida havia sido encontrado em uma das grutas onde as buscas foram feitas.
— Você pode ir, Guilherme. — Disse Elen sentando ao lado do rapaz. — Acho que você merece saber mais informações sobre essa história que chega ao fim.
— E quanto a Bia? — Perguntou ele sem olhar para Elen.
— Tem uma equipe muito boa aqui que diz que o estado dela é irreversível. — Elen parou e buscou os olhos de Guilherme. — Se Deus e nem eles puderem fazer nada, acho que não podemos.
— Então todas essas histórias que se cruzaram terminam aqui? Hoje?
— Não tenho sua resposta.

                                     ||...||

|O céu estava laranja com rajadas em azul escuro, a tarde estava indo embora e no horizonte podia-se ver nuvens carregadas que trariam outra forte chuva logo mais a noite. As equipes de reportagem já deixavam o lugar, apenas a coordenação das policias envolvidas permanecia. O carro com os restos mortais de Iris de Almeida saiu exatamente quando o jovem Guilhar chegou ao local.
— Encontramos o corpo, Guilherme. — Disse Ruanna ao se aproximar, César a acompanhava.
Eles caminharam ao redor da gruta enquanto César explicava que o trabalho dos geólogos e seus GPS's facilitaram as buscas, falando sobre os radares de penetração no solo e as técnicas de aquisição de informações espaciais que se utilizavam para investigar ou detectar objetos e estruturas sob o solo.
— Havia vários exemplares da flor que encontramos na foto. — Ajudou Ruanna Spanno. — Chegamos ao fim.
Ruanna olhou fixamente para Guilherme, e César se afastou um pouco.
— Tenho que ir. — César apertou a mão de Guilherme e a de Ruanna. — Os trabalhos foram cansativos e amanhã temos várias coletivas com a impressa local e uma entrevista com um canal de rede nacional.
— Vou precisar desse material. — Ruanna deixou escapar um sorriso. — Acho que mereço.
— Sem dúvida alguma... — César retribuiu o sorriso e se afastou lentamente.
Ruanna e Guilherme ficaram ali em silêncio por algum tempo observando as últimas pessoas se retirarem do lugar.
— Posso ter uma entrevista exclusiva com você? — Disse Ruanna ao quebrar o silêncio enquanto via o sol se por.
— Queria que tudo isso terminasse aqui, doutora.
— Eu entendo... — Ruanna analisou cada detalhe de Guilherme, buscou os olhos do rapaz e não encontrou. Ele era bonito e tinha alguma coisa misteriosa que Ruanna desejava desbravar. — Foram dias difíceis.
— E como está o seu pai? — Guilherme lembrou. — Orgulhoso?
— Sim... Muito orgulhoso. Nunca estivemos tão bem quanto ultimamente. O caso do pervertido da Rua dos Sonhos nos uniu e trouxe entendimento quanto aos meus desejos profissionais.
— Você se envolveu mesmo com essas historias juvenil e a possível recuperação das vidas dessas pessoas.
— Sim. Consegui juntar o curso de direito, comunicação social e a paixão na descoberta dessas mentes que cometeram algum erro. — Ela estendeu a mão. — Obrigada.
Guilherme tocou a mão suave de Ruanna.
— Acho que devo um obrigado e desculpas. Você realmente foi diferente. — Ruanna tocou com a outra mão o ombro de Guilherme.
— E o que o professor imagina dos próximos dias? — Ruanna encontrou os olhos de Guilherme.
— Eu vou acompanhar Beatriz no hospital, vou esperar por ela. — Ruanna baixou a vista e compreendeu o desejo do Jovem Guilhar. — E o resto se resume as aulas, aquela rua e minha mãe.
— Dona Sara precisa e vai precisar muito mais de você. — Disse Ruanna tentando ter contato visual.
Os dois se calaram novamente.
— Tudo bem... — As mãos se soltaram e um sorriso no canto da boca foi a última expressão que ela deixou escapar. — Então podemos tomar um café qualquer dia desses?
— Podemos sim, aliás, será um prazer. — Guilherme se afastou aos poucos em direção à gruta e Ruanna conseguiu entender que o rapaz queria ficar sozinho.
— Até mais! — Ruanna era uma das últimas pessoas que ainda permaneciam por ali.
— Te vejo na TV! — Guilherme falou em voz alta e entrou na gruta.

                                       ||...||

|Os últimos raios de sol ainda entravam naquelas cavernas e Guilherme viajou em suas lembranças. Algumas faixas amarelas sinalizavam os trabalhos concluídos dos policiais e Guilherme não precisou andar muito para encontrar as primeiras aves-do-paraíso.
Em algum lugar da memória de Guilherme, um piano tocava uma música sobre arrependimentos e sobre segredos guardados, as notas musicais estalavam nas paredes frias e se sentavam sobre as flores que faziam companhia ao rapaz. O conjunto de faixa terminava e uma cova rasa estava aberta.
Guilherme parou.
— Então você esteve aí enquanto eu te esperava esse tempo todo... — Ele deu mais alguns passos e dedicou às ultimas lágrimas àquela menina linda que um dia encantou cada centímetro daquela cidade, daquela escola, daquela rua. Iris estava perdoada, os erros irreversíveis cometidos há mais de uma década não poderiam apagar cada carinho e cada "cartinha" de amor.
— Eu a desculpo... — Ele ficou tonto. — E me perdoe pelo adeus que não tive a oportunidade de te dar.
Guilherme baixou a cabeça e continuou a ouvir aquela música em sua cabeça, ela falava de codinome e nomes protegidos.
Eron de Menezes havia sido a grande vítima daquelas pessoas e Guilherme estremeceu quando se lembrou das vezes que o viu nos últimos dias. Estuprado, agredido fisicamente e verbalmente por cada quadra que formava aquela cidade de espíritos perdidos, que abandonavam as pessoas que não eram mais úteis. Eron o amava, e Guilherme nunca conseguiu ler aquele sentimento.
O menino franzino da Rua dos Sonhos viu o primeiro beijo de Iris e Guilherme, passou noites em claro no seu primeiro andar acompanhando a vida do casal que sorria enquanto ele chorava escondido e pintava em quadros tudo que não poderia ser. Eron se foi, desistiu.
Guilherme nunca o esqueceria. Afinal, o amor de Eron de Menezes viajou para esse presente e tinha vindo pedir socorro e trazer Beatriz. Isso, Beatriz de Menezes.
A música voltou à cabeça de Guilherme enquanto os últimos raios de sol penetravam naquele lugar frio, e de alguma forma o jovem Guilhar sentiu a presença de Eron, mas o medo não veio. Guilherme sentiu o amor de alguém, sentiu que Eron se despediria.

"Pra que mentir
Fingir que perdoou
Tentar ficar amigos sem rancor
A emoção acabou
que coincidência é o amor
A nossa música nunca mais tocou"

|Sobre uma pedra atrás de Guilherme, Eron o observava atentamente, com todo o carinho que sempre olhou para o amigo. Guilherme sentiu sua presença ao notar que a escuridão não chegara e uma luz de esperança veio por trás de seus ombros. O jovem Guilhar se virou e pode ver a imagem de um Eron bem vestido, que sorriu ao encontrar os olhos de Guilherme pela última vez. O menino que decidiu retirar a própria vida anos atrás por não acreditar em dias melhores descobriu e disse sem falar uma só palavra o quanto amava Guilherme e torcia para que ele seguisse sua vida e ajudasse sua irmã nesses dias tão difíceis.
Eron realmente amou Guilherme, e foi o tempo suficiente para arrumar as coisas e se convencer que um dia teria que voltar aquele plano e ajustar as coisas. Antes de partir daquele lugar para sempre, Eron recebeu o sorriso mais bonito de Guilherme, não precisou de palavras, nem abraço, Eron poderia descansar em paz naquele momento, e a lagrima de perdão que Guilherme deixou escapar levou o "Anjo da Rua dos Sonhos" ao descanso eterno.

"ONTEM TE VI NA RUA" Where stories live. Discover now