||_Música, garotos ricos e zona sul_||

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|Quando a sexta feira chegava e os livros se escondiam em baixo do armário colorido, Beatriz costumava aumentar o volume do som, as faixas de músicas alternavam com mais frequência e nunca uma musica chegava ao fim. O único problema estava na faxina do sábado, organizar as coisas e jogar a maioria em qualquer outro lugar que não fosse o lugar que sua mãe pedia. Durante o dia, as expectativas aumentariam sobre uma noite de música e bebida em algum lugar que fizesse esquecer pequenas lembranças. Correr por entre as ruas claras em alta velocidade deixava o desejo por outros bares e outros lugares para trás, fazia observar o conjunto das pessoas buscando abrigo em alguma outra coisa que não fosse as paredes empoeirada de casa. Uma foto gigante de Renato com a Legião ao centro, rodeado de fotos pessoais de Bia e sua solidão destrutiva decorava o lado direito do guarda-roupa. Ada, sua melhor amiga, abandonou os estudos no ano anterior quando descobriu que estava grávida de gêmeos aos 16 anos de idade de um garoto pobre do lado oeste da cidade. Bia sempre foi ouvidos para o relacionamento da amiga, e depois que Ada foi emancipada e casou no cartório, conseguiu juntar algum dinheiro e comprou o berço das crianças. Em um ano as coisas mudaram bastante, a solidão aumentou e Léo foi embora dos planos de Beatriz. O garoto dos lindos poemas não suportou a fama e os lábios vermelhos de Beatriz. Ada e os gêmeos foram logo depois, a distância da amiga aumentou ainda mais quando os pais de Ada tentaram justificar através da amizade com Beatriz a gravidez. "eu nem sabia quem era esse garoto!". Por vezes Beatriz pensou na possibilidade de estar no lugar da amiga, criar um filho... Dois, na verdade. Talvez não houvesse solidão, nem tanto som em sua vida. Léo poderia escrever coisas legais sobre a família e depois ela poderia trabalhar nas lojas do shopping como vendedora de marcas famosas e levar um salário comercial e as passagens da condução. Ada conseguiu isso sem nem mesmo terminar o ensino médio. Tudo bem que ela tinha uma tia que trabalhava no RH de uma dessas grifes, mas Beatriz sempre achou que emprego não lhe faltaria. Era bem melhor levar a vida mais lenta, mas não era só questão de escolha, era um conjunto que fugia das mãos de muita gente. Beatriz sabia disso e preferia jogar mais que cultivar. Imediatismo era um título para as noites e para os amigos de poucas semanas. Os grupos no celular se amontoavam em notificações e convites baratos para sair com estranhos. Ninguém devia ficar em casa em uma sexta à noite, assim pensavam aquelas pessoas que se vendiam por uma carona ou três doses de vodka da marca mais simples.
Beatriz fez algo bacana no cabelo, bateu algumas fotos e as despejou em três redes sociais diferentes. Sem contemplar fotos e nem detalhes, o mais importante era o impacto que aquelas imagens causavam em mais de três mil amigos virtuais. As meninas pensariam em quantos caras com carteira de habilitação se sentiriam atraídos por aquele par de peitos, quantos calouros universitários se masturbariam pensando naquelas pernas. Os garotos com carteira de habilitação pensariam em sexo automotivo, os calouros iriam querer aventuras de dois turnos, os desajeitados e virgens ficariam em casa e dariam um "print" nas fotos da garota para se aliviarem logo após o último episódio daquela série em alta, em entretenimentos sexuais solitários. Beatriz queria ser de todos, para todos e disponível. Como uma rainha que não precisasse de satisfação em relação à corte, à livre iniciativa e aos beijos dispersos. Beatriz vivia sua história, as câmeras eram os olhares curiosos. Hoje ela poderia beber, mamãe sairia cedo, tão cedo que não a veria chegar descabelada e com a maquiagem em desordem no rosto branco e bêbado.
Beatriz arrumou sua bolsa barata no ombro e olhou de lado para ver a circunferência e o nível de sexualidade que sua bunda transparecia quando estivesse de perfil — Eles não resistem! —  cruzou o quarto, se encarou no espelho treinando olhares. Hoje era música, garotos ricos e zona sul.
Passava das 10 da noite e a mãe de Beatriz dormira no sofá antes de ver o final da novela. Beatriz desligou a TV e as luzes, não a acordou. A menina caminhou pelos corredores estreitos da casa e saiu, arrumou os sapatos caros comprados em seis prestações e colocou as chaves ao lado de um jarro de barro. Bia ficou na frente da casa ansiosa, sua carona para aquela noite, que como as outras, seria a melhor de todas, estava atrasada. Pouca roupa e frio não combinavam, mas Beatriz não ligava, ela queria "causar" na balada, o desempenho necessitava daquelas roupas, ela sabia que elas sabiam, ou talvez não.
Ninguém atravessou por horas aquela rua, nem os cachorros latiam. Os pelos dos braços de Bia levantaram e ela não teve medo dessa vez, não como naquele dia quando saiu da escola, ela conhecia essa sensação e por vezes chorou ao senti-la. Era leve, trazia um cheiro de "outra vez", como música que há tempos não se escuta, mas que causa um impacto e você se pega a cantarolar de repente. Vem com ares de nostalgia e às vezes você começa a sorrir, assim do nada. Sobre a luz ao fundo alguém caminhava nas sombras em direção a Beatriz, era alto e seu rosto jamais poderia ser visto, apenas sentido. As mãos estavam nos bolsos e a alma que vagava parou ainda ao longe, ficou contemplando Beatriz parecendo pedir algo. Ela não se moveu, apenas sentiu seu amigo na noite. Os braços da garota correram e encostaram-se no muro, ela estava relaxada, ele veio a visitar novamente, tentar dizer algo e mostrar que não existia apenas nos sonhos antigos. Tão presente e tão distante, ela não poderia o abraçar nem correr desesperadamente e chamar o mundo inteiro para receber aquele ser maravilhoso. Ele girou o corpo na escuridão, virou para o lado e levantou a mão para ela, ela sentiu ao longe aquele contato e todo aquele amor; abriu o coração, sorriu e também acenou. Lentamente Eron seguiu na direção contrária, se perdeu na escuridão. Beatriz o acompanhou e lembrou como é bom rever aquele ser maravilhoso.
Por algum tempo a menina tentou imaginar o que Eron tinha a dizer, quais os reais motivos para aparecer e nada dizer mais uma vez. Não havia sinais de medo em seus olhos, ela não temia a presença daquele rapaz que carregava tanto peso nas costas.
Eron sumiu na escuridão e Bia não teve respostas mais uma vez, e logo em seguida um carro esportivo estacionou e os gritos receptíveis levaram Beatriz para uma noite de música, garotos ricos e zona sul.

"ONTEM TE VI NA RUA" Donde viven las historias. Descúbrelo ahora