• Sobre as memórias da Rua dos Sonhos: O segredo de Iris.

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|Clarice estava deitada em sua cama confortável; por algum motivo acordou no meio da noite e ficou observando as luzes dos carros que passavam lá embaixo na autoestrada e corriam pelas janelas de vidros protegidas por cortinas caras e em alta nas lojas de decoração. Clarice havia entrado com tudo no caso do "Pervertido da Rua dos Sonhos" e feito o possível para trazer Ruanna Spanno, advogada, defensora de jovens delinquentes e jornalista recém-formada para trabalhar junto na solução do caso. No princípio, Clarice imaginava que o projeto de Ruanna poderia ser um clichê copiado dos programas sensacionalistas do inicio dos anos 2000, mas ao pesquisar o curriculum da advogada e jornalista, pôde concluir que o que movia e motivava a jovem Spanno era muito mais que um programa de TV, era a possibilidade de transformar a vida das pessoas envolvidas em crimes que poderiam ter destruído a vida de alguém. Ruanna queria dar a oportunidade de defesa as pessoas, ou talvez, uma segunda chance.
Em seus contatos, Clarice conseguiu convencer Sanderson, o herdeiro do canal 12 a produzir um projeto-piloto sobre os crimes daquela cidade, ficando assim surpresa ao saber o interesse do rapaz quando soube o nome da idealizadora. Sanderson havia sido um dos poucos homens que se envolveram com Ruanna. Tudo foi se encaixando e o plano de Clarice em investir naquela ideia foi se tornando fácil, pois apesar de ter a confirmação do diretor do canal, ela nunca pensou que o primeiro crime a ser analisado seria justamente o caso do "Pervertido da Rua dos Sonhos". Clarice sabia ao fim que algo conspirava a favor daquela ideia, algo mais forte entrou naquele emaranhado de fatos e transformou a busca pelo corpo de Iris e de um possível culpado em uma tarefa não tão complexa. Ao amanhecer Clarice e Ruanna estariam naquele hospital de urgência para receberem um depoimento que traria fatos novos ao caso, o depoimento de Sávio, o rapaz que transformou a vida de Eron de Menezes em um inferno durante muitos anos.
Sozinha naquele apartamento luxuoso, Clarice lembrou que nunca se imaginou tão poderosa e respeitável naquela cidade. A menina dos olhos azuis de escola pública só queria viver a banda Blink 182 dos anos 2000 e ir pra praia, comprar uma moto e namorar alguém que a levasse à igreja, mas o desaparecimento de sua melhor amiga mudou sua vida para sempre.
Assim como todos os outros envolvidos, Clarice vivera dias agridoces naquela escola e sempre que visitou a Rua dos Sonhos. As lembranças e os dias que anteciparam o desaparecimento de Iris mudaram completamente a vida e rotina dos envolvidos.
Eron de Menezes era a melhor lembrança de Clarice.

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2007

|— Claro que espero. — Disse Eron sentado no pequeno banco de ônibus. A menina de olhos azuis pediu que o amigo de sala ficasse com ela até que seus tios a pegassem. Dezenas de alunos se espremiam naquele fim de tarde aguardando o ônibus para voltar para casa, Clarice poderia esperar em outro lugar, mas ficar ao lado de Eron havia se tornado confortável há algum tempo.
— Muito obrigada. — Disse ela sentando-se desajeitada ao lado do menino. — Hoje prometo que não vai demorar! — Ela riu e Eron sabia que era mentira, e mais uma vez chegaria tarde para o jantar.
— Olha... — Eron abriu sua bolsa preta e retirou um desenho feito em aquarela. — O que havia prometido.
Eron havia feito o retrato de Clarice em um momento de distração na sala de aula, a menina de olhos azuis ficou encantada.
— Posso levar? É meu? Diga que é meu! — Disse ela em euforia.
— É Seu. Arte em preto e branco pra acentuar o detalhe azul.
A noite chegou depressa sem que Clarice notasse, ela estava apaixonada. Eron sabia disso e tentou sempre se afastar de assuntos pessoais, eles conversaram sobre arte, cinema, música e horóscopo. As pessoas ao redor foram embora e, em pouco tempo, apenas os dois estavam naquela parada quando os tios de Clarice chegaram.
— Sei que alguém possui o seu amor, Eron. — Disse ela ao levantar.
— Já conversamos sobre isso...
— Mas você me deixa confortável. Obrigada de novo. — Clarice sorriu e abraçou o desenho no peito e entrou no carro. Eron ficou sozinho na parada aguardando o próximo ônibus.
Alguns minutos passaram e ao longe Eron de Menezes viu Sávio encostado na esquina da rua que ligava a escola ao comércio local. Eron rezou para que o ônibus chegasse e aquele idiota não acabasse com sua noite. Sávio aguardava algo, olhava a todo instante o relógio. Eron levantou e notou quando Iris de Almeida saiu da escola e desceu as pressas a rua lateral sem notar que estava sendo observada; ela parou ao lado de um carro e entrou ligeiramente. Eron e Sávio acompanhavam tudo de longe, cada um de um extremo daquela rua deserta ao lado da escola. Assim que entrou no veículo, Iris recebeu algum carinho e foi beijada.
O carro foi ligado e subiu em direção aos dois garotos. Os faróis delataram os curiosos, Iris encarou os dois em segundos com o olhar mais tenso que Eron já vira. Os dois passageiros daquele carro também foram reconhecidos. Após aquela cena, Sávio acordou da surpresa quando viu Eron subir no ônibus que o levaria à Rua dos Sonhos.
Sávio encarou Eron com ódio no olhar. Eron agradeceu pela condução aparecer na hora certa.

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