||_Velha Moldura_||

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2018

|O auditório da pequena escola estava lotado, Guilherme se preparava para dar as boas-vindas aos alunos; mais um ano letivo começaria e mais uma vez Guilherme, o jovem professor do ensino médio, enfrentaria aqueles corredores e todas as suas lembranças em sua antiga escola. Um dia, aluno. Agora, o jovem rapaz estava do outro lado, usava outras roupas e se comunicava diferentemente, não era mais tão tendencioso, pois aprendera a ouvir mais e a falar sem precisar gesticular tão grosseiramente. Uma multidão de jovens corados e expansionistas estava aguardando o início daquele encontro, naquela primeira reunião do ano, alunos e professores ficavam frente a frente para debaterem o ano letivo.
Em meio àquele mar de novidades, Guilherme seria apresentado aos alunos como o novo professor de matemática.
Guilherme tentou estudar alguns alunos lembrando como se comportava quando estava do outro lado.
Guilherme crescera bastante nos últimos anos, seus cabelos castanhos agora possuíam um corte mais baixo clareando as entradas de uma calvície evidente, os olhos profundos cresceram acompanhando os cílios compridos; ganhou massa muscular e largura no rosto antes fino, possuía uma armadura flexivelmente encaixada à sua aparência séria e discreta. Homem de uma beleza notável e admirável, Guilherme Guilhar tinha o péssimo costume de constranger com o olhar, pois dentro dele havia um peso enorme que sempre o fazia dizer mais do que devia.
No meio do grupo de alunos o professor de matemática observou como a união deles era excitante, como tudo parecia festa. O conjunto informal que compunham parecia mais importante que tudo. Tudo parecia verdade, mas Guilherme sabia que muita coisa não passava de ilusão, momento: o professor Guilherme sabia muito bem as mentiras que se escondiam por trás de tantos sorrisos fáceis e sabia das dores que expeliam. Ele fez parte de um grupo, viveu histórias juvenis e perdeu pessoas para sempre. O jovem Guilhar se afundou em uma depressão pós-ensino médio, lutou contra fantasmas para se licenciar em matemática, e assim que o fez, o destino o levou a lecionar na mesma escola onde lágrimas e sorrisos se misturaram homogeneamente. Aquela mesma escola tão próxima à Rua dos Sonhos lhe dava outra chance, uma nova maneira de como ver as coisas. Entre os números ele poderia raciocinar mais uma vez e tentar entender as rubricas do tempo.    

— Aprovado em primeiro lugar no nosso concurso! Nosso novo professor de matemática. – Dizia o diretor da escola quando todos começaram a aplaudir Guilherme, o forçando a acordar de seus devaneios. – É um prazer ter um ex-aluno no nosso quadro de colaboradores.
Guilherme deixou escapar um falso sorriso e levantou de sua cadeira gesticulando com a mão direita para que os mais desavisados soubessem quem seria o chato dos números.
— Esperamos contar com você! – Disse o diretor ao curvar-se para o lado. O tom do barbudo parecia mais intimidador que motivacional. Guilherme se arrumou na cadeira e fez um gesto de positivo com a cabeça.

Entre o discurso repetitivo do diretor e a sonolência da plateia, Guilherme perdeu a vista novamente. Um grupo de garotas não tirava os olhos dele, atraídas pela ousadia que seria sair com o novo professor de barba serrada. Guilherme estava longe, perdido no perfume daquele lugar sobre o qual o tempo pouco agira nos últimos anos. Na última fileira do auditório, um garoto dormia sentado, tendo como apoio para a cabeça seus próprios braços finos; apesar da distância, o jovem Guilhar fitou-o curiosamente, se manteve alerta e girou o corpo para os lados buscando um novo ângulo. Estudou a figura por minutos a fio, esperando que ela pudesse levantar a cabeça. A lembrança mais fria e dolorosa subiu por trás do pescoço de Guilherme, ele estremeceu e em sua mente a imagem de Eron de Menezes surgiu, a imagem do jovem pervertido. – Impossível. – Pensou o professor. Afinal o tempo correu para todos; o garoto franzino não poderia estar ali, moldurando a mesma figura e o mesmo porte físico.
As meninas sorriam; a líder do grupo abriu os dois primeiros botões, insinuando os seios fartos e bem volumosos escondidos por uma blusa rosa. Guilherme, em meio aos seus fantasmas, notou, bateu com o cotovelo em outro professor e sinalizou discretamente que estava saindo por alguns instantes. O jovem Guilhar desceu devagar os três degraus que separavam alunos e professores e notou quando o jovem de preto no fim do auditório também levantou, o professor apressou os passos e se dirigiu a porta de saída.
Fora da Sala Guilherme respirou fundo, encostou o corpo em uma pilastra lisa e fria, sentiu o suor correr por trás da camisa de algodão e folgou o colarinho. – Não pode ser...

"ONTEM TE VI NA RUA" Where stories live. Discover now