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|O Canal Onze era um complexo de prédios modernos e luminosos no centro da cidade, os enormes edifícios eram organizados conforme o veículo de comunicação: existia um para o rádio, um para o jornal impresso e um para TV. Ruanna Spanno estava ali há pouco tempo, depois de anos tentando uma vaga como estagiária, a jovem conseguiu um contrato provisório na maior empresa de comunicação do Estado. A jovem determinada ganhava o respeito de seus amigos de trabalho pelo seu grande conhecimento jornalístico, sua simpatia e vontade de vencer. Ruanna estava atuando como assistente de redação na parte esportiva do canal, não era bem o que almejava durante tantos anos de estudo, mas poderia ser uma ponte para sonhos mais ousados.
– Ruanna Spanno! Enfim a mulher do texto apareceu... – Disse um homem barbudo que dirigia o local. Os outros deixaram escapar pequenos sorrisos sem tirarem os olhos de seus afazeres.
– Desculpa... Tive alguns problemas com o trânsito.
– Não importa Ruanna, gosto do seu trabalho. Queria tê-la por aqui por mais alguns anos... Mas... – O velho barbudo tocou o ombro da jovem.
– Estou despedida? – A jovem baixou a cabeça tentando adivinhar seu destino. O editor sentado ao canto deixou escapar um suspiro.
– Não sei exatamente. Sanderson tem o veredito. – Sanderson era o herdeiro do Canal Onze, homem conhecido apenas por citações e gestão eficaz. – Ele a espera no terceiro andar. – Ruanna deu meia volta, girou a maçaneta e sem saber ao certo como proceder, se retirou da sala.
– Spanno! – Gritou o barbudo.
– Oi? – Respondeu ela dando meia volta.
– Pode levar suas coisas daqui. Acho que você não volta mais. – Ruanna baixou a cabeça.
Ruanna seguiu seu caminho até o terceiro andar, o andar dos executivos e das pessoas bem vestidas, pessoas com olhares importantes e de poucas palavras. Naquele espaço se consumia mais papéis e duplicatas, estratégias corporativas e folhas de pagamentos. A jovem desfilava pelos corredores limpos e largos com uma pilha de documentos referentes à sua passagem pela redação esportiva, os olhares ao redor cobriam seu corpo charmoso, parece que seria o fim dos sonhos para a jornalista.
Um grande balcão servia de muralha para os aposentos do rei do lugar, atrás se encontrava uma bela mulher que Ruanna jamais vira antes naqueles corredores.
– Eu vim encontrar o Sr. Sanderson. – A boca da morena estava seca, e o lado esquerdo de seus lábios tremia.
– Você é Michele? – Perguntou a mulher olhando uma pequena caderneta.
– Não... Ruanna Spanno. – A mulher baixou a vista para o fim da caderneta.
– A menina do texto do esporte. – Jogou ela sorrindo.
– Sim, sou eu mesma. – Ruanna devolveu o sorriso.
– Certo. Sanderson a espera. – Ela fechou a caderneta e olhou nos olhos de Ruanna. – Quer um conselho?
– Sim... Sempre são bem vindos...
– Não o chame de senhor. – Ruanna pouco deu ouvido, conhecia Sanderson muito bem, de longos anos atrás. A jovem jornalista entrou.
A sala do diretor geral do Canal Onze era monumental, ao redor um grande jardim ajudava na decoração, que se misturava a um corredor de estantes formando uma pequena biblioteca. O marrom dominava as paredes cobertas de madeira e espelhos.
– Ruanna Spanno! – Exclamou Sanderson por trás de seu birô de mogno.
– Olá Sanderson... Há quanto tempo, hein? – Disse a jornalista de maneira sutil e delicada. – Que grande império. – Continuou ela observando cada detalhe do lugar.
– Ruanna e sua delicadeza. Nosso financeiro não anda bem. – O diretor do canal onze correu a lateral de seu altar e se aproximou de Ruanna. – Sente-se. – Ele disponibilizou uma poltrona a jovem.
– Gentil e modesto como sempre, duas grandes virtudes. – Ela sentou-se.
– Pena que não foi o suficiente. – Deixou escapar Sanderson. Ruanna abaixou a vista evitando algo.
Sanderson e Ruanna, anos atrás haviam se envolvido depois de uma festa que representava a grande sociedade da cidade, um romance breve que estampou algumas colunas sociais. Ninguém entendeu o desfecho daquele que poderia ser o casamento do ano.
Ruanna foi a responsável pela separação, ela não encontrou em Sanderson a parte que lhe completaria, não conseguiu suprir suas necessidades de solidão; mesmo sendo um homem bom, de sucesso e educado, o jovem empresário revelava mais compaixão do que amor, Ruanna decidiu cessar aquilo enquanto havia tempo. Amigavelmente ela expos seus motivos e Sanderson foi obrigado a aceitar os argumentos da mulher que mais amará na vida. Hoje, bons amigos, estavam frente a frente depois de um longo tempo.
– Bem... Acho que você já ouviu falar da minha forma moderna de gerir tudo isso aqui. Já passei por diversos setores do Canal Onze, tentando encontrar e ajustar cada peça, sempre ouvindo meus conselheiros. – Sanderson não sentara, gesticulava bastante tentando dar ênfase a seu discurso. Ruanna permanecia imóvel. – Há algum tempo venho pensando em nosso arquivo material como um setor importante. Um pecado! Com tanta modernidade só me dediquei ao arquivo virtual de nossos computadores, esquecendo o arquivo material. Ontem mesmo visitei o local e me deparei com uma mulher que há muito já deveria estar aposentada, conversei com meus conselheiros e pedi indicações para um novo cargo. Entre vários nomes surgiu o seu como de uma pessoa muito organizada, e preparada.
– Desculpa, mas gosto dos meus textos e preferiria o esporte a organizar um arquivo. – Sanderson parecia não ter ouvido a jovem e voltou ao seu discurso.
– Então... Decidi escolher uma pessoa organizada para colocar em ordem àquela desordem e precisava de alguém com um bom texto para criar, uma vez por mês, uma reportagem interessante sobre alguns daqueles documentos arquivados. Com isso além de organizar o arquivo material, eu criaria um novo programa para a grade da noite. Escolhi você, Ruanna, pois conheço seus sonhos, seu texto e seus conhecimentos jurídicos.
– Eu? – Ruanna parecia não entender. O que parecia um pesadelo se transformou em uma grande oportunidade. Uma nova tarefa, uma nova chance.
– Eu sei o quanto isso significa para você, Ruanna, conheço sua luta e contra quem você briga todos os dias para estar aqui. – Ruanna observava cada passo de Sanderson no grande escritório. – Você poderia está ganhando o triplo com seu pai, mas segue um sonho. Invejável!
– Nem sei como agradecer...
– Não precisa. Você tem três meses para organizar tudo aquilo. Criar um bom argumento para um programa mensal. Uma equipe vai ajudá-la. – Ele se aproximou. – Mãos à obra, Ruanna!
– Farei o melhor que puder, não vou decepciona-lo. – Ruanna mostrou sua força com palavras.
– Estarei sempre aqui, não importa o pedido, sempre estarei à disposição. – Ele engoliu a saliva e o ambiente ficou mudo. Ele a abraçou.
Ruanna saiu cheia de esperanças, com várias ideias na cabeça. Sanderson mais uma vez tinha mostrado toda sua generosidade e simpatia, talvez o maior apoio que Ruanna já tivesse recebido na vida. Sanderson ficou paralisado em seu grande mundo, pensando no tamanho do amor que sentia pela jovem jornalista, ele seria capaz de tudo para ajudá-la.
A sala novamente estava vazia, o rei daquele lugar estava solitário e pensativo. Mas sua atenção mudou de direção assim que seu celular tocou.
– Alô? – Sanderson atendeu com rapidez o telefone.
– Tudo certo? – Perguntou uma voz feminina do outro lado da linha.
– Sim! Seu pedido se aliou ao meu desejo de tê-la mais próxima a mim. Ruanna esta feliz com a nova oportunidade.
– Ah... Graças a Deus. – Encerrou a mulher.

"ONTEM TE VI NA RUA" Where stories live. Discover now